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Suzano: sete dias entre os extremos da dor e do jornalismo

Nessa semana em Suzano (SP), aprendi a viver o luto, mesmo quando quem partiu é uma pessoa que sequer conheço

Autor Otávio Augusto

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Crime na escola em Suzano
1 de 1 Crime na escola em Suzano - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Não houve um dia sequer no qual eu abrisse a janela do meu quarto de hotel e não visse a Arena Suzano, no Parque Max Feffer. Lá, a maior parcela das vítimas do massacre na Escola Estadual Raul Brasil foi velada. O local, antes conhecido pelas partidas de basquete, agora é sinônimo de tristeza.

Os últimos sete dias foram de trabalho intenso e de sensações jamais sentidas. A perna tremeu, o braço perdeu a força, a respiração ficou sufocada e os olhos, marejados. Em muitos momentos, não foi possível conter as lágrimas.

Durante toda a cobertura da chacina em Suzano, uma frase escrita em um cartaz fixado no muro do colégio ecoou em meus pensamentos:

É a nossa dor que alimenta as reportagens da imprensa. Diz o que custa pedir licença?

Como abordar pessoas que estão vivendo momentos extremos de dor? O que falar para elas? Por precaução ou por instinto, toda abordagem que fiz foi acompanhada de um abraço. Silencioso ou com uma palavra de consolo. Era o mínimo que eu poderia oferecer no momento.

O olhar humanizado, na maioria das vezes, sobrepôs-se à técnica jornalística. O tão perseguido lead –conjunto de informações principais de uma reportagem – em alguns minutos saiu de cena para dar destaque ao lamento de uma cidade. É indescritível a sensação de entrevistar uma pessoa que perdeu o sentido da vida e espera que o pesadelo finde.

A tragédia, inesquecível por sua brutalidade, traz personagens que tocam a alma, mesmo em um momento de tão dura consternação. A serenidade de Gercialdo Melquiades de Oliveira, de 38 anos, pai de Samuel Melquiades Silva de Oliveira, de 16, morto na tragédia, é admirável.

Ao contar qual foi o último contato com filho vivo, ele me desmontou. O toque de mão acompanhado de um “tchau, pai” foi um dos momentos mais difíceis de enfrentar nessa empreitada jornalística.

Horas depois do ataque, o estudante Vitor Gabriel Tolosa, de 17 anos, segurava em meu braço para contar como escapou da morte. Jamais esquecerei o olhar apavorado do garoto.

Entrevistar o avô de um dos assassinos, Benedito Luiz Cardoso, de 57 anos, o homem que criou Guilherme Taucci Medeiros, 17, remexeu todos os sentimentos que acumulei durante essa cobertura. Choramos juntos, abraçados em sua casa.

Desde o dia 13 de março, tenho pensado no que é a dor. Ainda não consigo responder. Sei que ela sufoca, maltrata e deixa marcas indeléveis. Aprendi a viver o luto, mesmo quando quem partiu é uma pessoa que sequer conheço.

Está cravado em minha memória o cheiro das velas queimando, as luzes das sirenes, o odor das flores e o toque de cada pessoa com quem cruzei nesta cidade. Junto com as vítimas que morreram, morreu também Suzano e um pouco de mim

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Comunidade acendeu velas rente ao muro da escola, palco da tragédia
Moradores em vigília na noite dessa quarta-feira
População de Suzano reza pelos mortos após ataque em escola e pela recuperação dos mais de 20 feridos
Velas foram acesas e flores, depositadas junto ao muro da Escola Professor Raul Brasil, em Suzano
Helena Maria vive há três décadas em Suzano: "Será que algum dia vamos [voltar a] dormir?"
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Morador reza pelas vítimas do massacre

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Comunidade acendeu velas rente ao muro da escola, palco da tragédia

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Moradores em vigília na noite dessa quarta-feira

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População de Suzano reza pelos mortos após ataque em escola e pela recuperação dos mais de 20 feridos

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Velas foram acesas e flores, depositadas junto ao muro da Escola Professor Raul Brasil, em Suzano

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Helena Maria vive há três décadas em Suzano: "Será que algum dia vamos [voltar a] dormir?"

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Arena Suzano foi preparada para o velório coletivo

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Moradores começam a chegar ao local do velório coletivo nesta quinta-feira (14)

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Padre Claudio Taciano celebrou a missa em homenagem às vítimas: pedido de paz

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População desolada em Suzano: dezenas participaram de missa na noite desta quarta-feira (13/3)

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Dezenas de pessoas choraram os mortos da tragédia de Suzano e pediram pela recuperação dos feridos

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Um dos raros contrapontos da tristeza foi acompanhar a volta para casa do estudante José Vitor Ramos Lemos, de 18 anos, que correu até o hospital com um machado cravado no ombro. Ele sorri com a alma.

No liquidificador de sentimentos, tive que equilibrar a dosagem das reações para conseguir levar da melhor forma que pude a informação ágil, precisa e inédita para os leitores do portal Metrópoles.

Nessa última semana, eu e a repórter fotográfica Rafaela Felicciano conhecemos pais de vítimas, sobreviventes, investigadores e um sem número de moradores de Suzano. Mais que trabalharmos juntos, nos amparamos em momentos de profunda emoção.

A generosidade dos moradores de Suzano é imensa. Ela veio em forma de refúgio para os estudantes que corriam para escapar da morte: a comunidade abriu suas casas para abrigá-los. Depois, apareceu em forma de copos d’água, pontos de energia elétrica, de bilhetes carinhosos e de abrigo do sol e da chuva.

Também fomos consolados quando o trabalho da imprensa era rispidamente criticado. Uma senhora vizinha do colégio Raul Brasil certo dia me abraçou e disse: “Não se preocupe, no fundo, sabemos que você só está trabalhando. Cumprindo sua missão ”, afirmou, ao me afagar.

Raul Brasil, educador que dá nome à escola que se tornou palco do massacre sangrento, entrou para a história ao mudar o ensino na região paulista. Agora, o nome dele aparece em um capítulo triste da educação brasileira.

Espero que toda tristeza seja transformada em força de mudança. Uma verdadeira arrancada rumo a um futuro melhor, onde mentes perturbadas sejam percebidas e tratadas. Que a tragédia de Suzano mude a rota do ódio.

Veja outras imagens da cobertura do Metrópoles do massacre em Suzano:

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Alunos e parentes se manifestam em frente à escola Raul Brasil
Alunos e parentes se manifestam em frente à escola Raul Brasil
Alunos e parentes se manifestam em frente à escola Raul Brasil
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Alunos e parentes se manifestam em frente à escola Raul Brasil

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Alunos e parentes se manifestam em frente à escola Raul Brasil

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Alunos e parentes se manifestam em frente à escola Raul Brasil

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Edilson e Elisangela, pais de Caio, conferem homenagens da comunidade às vítimas da chacina em Suzano
Pais de Caio, morto em Suzano: apoio mútuo, das filhas e de desconhecidos para seguir adiante
Parentes de vítimas se abraçam e recebem o carinho da população: escola reabriu nesta segunda para atendimento psicológico
Esta segunda foi dia de buscar apoio na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano
Comunidade se une em oração, na frente da escola onde cinco alunos e dois servidores foram executados no dia 13/3
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Na época da tragédia, a entrada do colégio Raul Brasil foi transformada em um memorial em homenagem às vítimas

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Edilson e Elisangela, pais de Caio, conferem homenagens da comunidade às vítimas da chacina em Suzano

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Pais de Caio, morto em Suzano: apoio mútuo, das filhas e de desconhecidos para seguir adiante

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Parentes de vítimas se abraçam e recebem o carinho da população: escola reabriu nesta segunda para atendimento psicológico

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Esta segunda foi dia de buscar apoio na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano

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Comunidade se une em oração, na frente da escola onde cinco alunos e dois servidores foram executados no dia 13/3

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Mensagens pela paz e homenagens às vítimas tomaram o muro da escola Raul Brasil

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Mãe e filha, aluna da escola, chegam para dia de acolhimento: não há data para retomada de atividades pedagógicas

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Movimentação no local da tragédia no primeiro dia de acolhimento psicológico à comunidade de Suzano

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ANANDA MIGLIANO/O FOTOGRAFICO/ESTADAO CONTEUDO
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* Otávio Augusto integra a equipe da Editoria Nacional do Metrópoles desde fevereiro de 2019. Ele e a repórter fotográfica Rafaela Felicciano foram os enviados especiais do site para Suzano (SP), onde cobriram desde o início o massacre na Escola Estadual Raul Brasil

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