Sobre o tanto que Marcelo Rezende é querido e Mirelle, competente
Como o destino de dois excelentes repórteres policiais se cruzou. Descanse em paz, Marcelo. Brilhe, Mirelle
Lilian Tahan
atualizado
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O câncer de pâncreas é uma doença sorrateira. Chega, muitas vezes, sem dar sinais. E quando se instala, costuma ser devastador. Abreviou a história de um gênio da tecnologia, Steve Jobs (56). E, neste sábado (16/9), calou uma das vozes mais populares do jornalismo brasileiro, a de Marcelo Rezende (65).
Repórter policial, ele sabia como prender a atenção do telespectador. Sem distintivo, falava dos bandidos com autoridade. Era respeitado. E assistido.
Quando descobriu o tumor, deu ele mesmo a notícia: enfrentaria a doença “de frente”. Quem já adoeceu ou perdeu alguém para o câncer sabe o quanto é difícil manter a dignidade diante da sentença de morte.
Marcelo Rezende soube. E, se já era querido, conquistou outros milhares de admiradores. Como não ter empatia por aqueles que dão sentido à palavra coragem?
Afeição que será demonstrada em diversas homenagens. O Metrópoles sentiu o tamanho do gigante Marcelo Rezende ao informar, às 18h26 deste sábado (16/9), que o apresentador da Record havia morrido vítima de agravamento do câncer no pâncreas e no fígado.Em um breve intervalo de tempo, quase 100 mil leitores por minuto eram impactados com a notícia. Uma prova inequívoca do interesse das pessoas pelo desfecho de uma história vivida com bravura e encerrada com serenidade.
A jornalista que revelou a triste notícia ao país chama-se Mirelle Pinheiro. Como Marcelo, Mirelle é repórter de polícia. Sabe caminhar com desenvoltura no campo minado de uma cobertura sensacionalista por natureza. Não se aventura com exageros. É do tipo que troca porção de adjetivos por uma boa informação. Tem o respeito dos delegados, diretores de corporações, comandantes e coronéis. Mas é longe dos holofotes das coletivas, com a ajuda de soldados e de agentes, que ela apura suas melhores histórias. Assim, fura bloqueios oficiais.
Dentro de uma redação ruidosa, onde convivem mais de 120 colegas, quase não ouvimos a voz delicada de Mirelle. Discreta, ela deixa para aparecer por meio de suas publicações, que quase sempre dão conta de fatos inéditos, inusitados.
No dia em que a casa de Eduardo Cunha virou alvo da Polícia Federal, quando o Estado ainda lhe abrigava debaixo do teto da residência oficial da Câmara dos Deputados, Mirelle foi quem confirmou que aquela movimentação perto das 6h da manhã na Península dos Ministros era operação de busca e apreensão. O alerta havia sido dado pela também atenta e competentíssima Rafaela Felicciano, repórter fotográfica. A parceria permitiu ao Metrópoles despertar a República com a notícia bombástica. Hoje, Cunha continua vivendo de favor do Estado. Mas, agora, hospedado na cadeia.
Foi ainda pelo reflexo rápido de Mirelle que os cidadãos do Distrito Federal tomaram conhecimento que três ex-governadores da capital da República haviam sido indiciados no relatório final da Operação Panatenaico.
Ao lado do bravo fotógrafo Daniel Ferreira, Mirelle viajou durante quase três dias para o Piauí a bordo de um ônibus clandestino. Pretendia provar relato surpreendente de informante do governo federal: uma das maiores transportadoras de passageiros do país, a Transbrasil, vendia “kit liminar” para sem número de motoristas autônomos e condutores de veículos absolutamente fora dos padrões de segurança exigidos pela ANTT. Ela foi lá, mostrou em texto, áudio e vídeo como funcionava o esquema. Alguns dias depois, a empresa teve sua permissão cassada.
No dia seguinte à morte do ministro Teori Zavascki, Mirelle quem primeiro desembarcou na Ilha das Almas, desta vez acompanhada pelo fotógrafo Michael Melo. Era lá que o magistrado deveria chegar se não tivesse sido vítima de acidente aéreo. No momento da viagem, chovia muito e foi difícil encontrar um barqueiro que aceitasse fazer a travessia de Paraty até a ilha. Mirelle e Michael acharam alguém tão corajoso quanto eles.
São apenas alguns exemplos do que um bom repórter é capaz. A competência de Marcelo Rezende o tornou tão querido. E o talento de Mirelle para colecionar amigos e fontes a faz tão eficiente. Descanse em paz, Marcelo. Brilhe, Mirelle.