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Setembro Surdo: data marca décadas de conquistas, retrocessos e avanços

Historicamente excluídos da sociedade, os surdos despertaram o interesse de alguns educadores que se esforçaram para criar métodos de ensino

Crisiane Bez Batti

atualizado

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No mês de setembro, a comunidade surda comemora o Setembro Surdo, que já foi chamado de Setembro Azul, período em que pessoas sem audição relembram suas conquistas históricas e fazem ações de conscientização sobre a importância da acessibilidade linguística.

Setembro foi o mês escolhido pois nele há várias datas significativas para a comunidade surda – o Dia Internacional das Línguas de Sinais (23 de setembro), o Dia Internacional do Surdo e o Dia do Profissional Tradutor Intérprete de Língua de Sinais (ambos em 30 de setembro).

No Brasil, o dia do surdo é comemorado em 26 de setembro (conforme instituído pela Lei nº 11.796, de 29 de outubro de 2008), pois, nessa data, no ano de 1857, foi fundada, graças ao trabalho do professor francês surdo Eduard Huet, a primeira escola de surdos no Brasil, o atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (Ines).

A trajetória dos surdos é carregada de lutas e conquistas, retrocessos e avanços. Apesar de, historicamente, serem excluídos da sociedade, despertaram o interesse de alguns educadores que se esforçaram para criar meios educacionais que visavam o desenvolvimento dos surdos.

Um exemplo é o método criado pelo francês Abade Charles Michel de l’Epée, que fundou o primeiro Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris. Nesse instituto, a língua de sinais passou a ser usada como expressão de comunicação e ensino.

A visão sobre as línguas de sinais, entretanto, foi modificada anos depois. No ano de 1880, foi realizado o Congresso de Milão, no qual educadores optaram pelo oralismo. Os surdos deveriam aprender a falar (oralmente) e a fazer leitura labial. Proibia-se, portanto, o uso das línguas de sinais na educação dos surdos.

Essa proibição acarretou grande sofrimento para os surdos, que não somente deixaram de ser ensinados por meio da língua de sinais como também não podiam mais usá-la para se comunicar nos espaços educacionais, sendo forçados a oralizar.

A falta do ensino em língua de sinais nas escolas acarretou grande atraso no desenvolvimento dos surdos. Com o passar do tempo, isso foi percebido, e o oralismo deixou de ser o método utilizado.

Caminho para o ensino

A língua de sinais, que, apesar da proibição, continuava sendo utilizada pelos surdos em outros espaços, voltou a ser vista por educadores como um caminho para o ensino.

Inicialmente, era empregada apenas como um meio para ensinar aos surdos e fazê-los aprender a língua oral; mais tarde, reconhecida como língua, com o mesmo status das orais, pois antes era entendida apenas como linguagem. É por meio dela que o surdo se desenvolve cognitivamente, apreende o mundo, se comunica e assimila a língua oral escrita de onde vive.

No Brasil, após anos de lutas, a comunidade surda conseguiu oficializar a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda, pela Lei nº 10.436/2002.

Graças a essa lei, regulamentada pelo Decreto nº 5.626/2005, os surdos devem ter garantida a acessibilidade linguística – o direito de se comunicar e de serem atendidos em uma língua visual que lhes é acessível, a Libras.

Esse decreto não só tornou possível a presença da Libras nos espaços educacionais e públicos. Ele reconheceu, por fim, o direito linguístico da comunidade surda, como também permitiu a difusão e o respeito à identidade e cultura dos surdos.

Histórico

Ao longo da história, nem sempre foi permitido aos surdos atuarem como protagonistas. A decisão do banimento da língua de sinais na educação de surdos no Congresso de Milão, por exemplo, foi tomada por professores ouvintes participantes, uma vez que os educadores surdos não foram convidados para decidir acerca de algo tão vital para o povo surdo.

Outro exemplo, bem mais recente, é o da participação dos surdos em entidades representativas do movimento. Nos primeiros anos da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – Feneis –, organização federal não governamental que lidera as demandas das comunidades surdas brasileiras, havia membros ouvintes à frente da diretoria. Anos mais tarde, tornaram-se os protagonistas da federação.

Cada vez mais participativos, os surdos fazem valer o lema da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência “Nada sobre nós sem nós”, ampliado na Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, da ONU, “não deixar ninguém para trás”. No entanto, ainda há um longo caminho pela frente.

Esse caminho tem como base que a sociedade veja os surdos como pessoas que têm língua, identidade e cultura próprias e não como pessoas que não têm audição. É imprescindível que a coletividade abandone o viés capacitista e adote a visão da alteridade, da multiplicidade linguística e cultural ao pensar na comunidade surda.

Com o Setembro Surdo, o movimento pretende não apenas mostrar à sociedade todas as lutas e conquistas das pessoas surdas mas também conscientizar todos os sem audição que eles podem – e devem – atuar como protagonistas de sua própria história, assim como alcançar a visibilidade da sociedade ao mostrar sua própria diversidade: quem são os surdos, sua(s) língua(s), sua(s) identidade(s), sua(s) cultura(s).

  • Crisiane Bez Batti, diretora de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos, do Ministério da Educação.

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