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Sem políticas públicas, Estado privatiza suas obrigações

Vai ficando claro que o poder público vai transferindo suas obrigações à iniciativa privada, sem maiores cuidados

Autor Carlos Eduardo Lima Jorge

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Panteão da Pátria 1
1 de 1 Panteão da Pátria 1 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Não resta dúvida que devam ser implementadas medidas de apoio a grupos de situação de risco e de vulnerabilidade. Seja pelo aspecto econômico ou social, a inclusão dessas pessoas em patamares de segurança, de melhor qualidade de vida e de educação – é tarefa que cabe ao poder público e também à iniciativa privada.

Um exemplo positivo dessa divisão de tarefas é o programa da Prefeitura de São Paulo, criado ainda na gestão João Doria, voltado à população em situação de rua. Em parceria com a iniciativa privada, o programa oferece o encaminhamento para conferência de documentos pessoais, orientação em problemas judiciais, capacitação profissional, acesso à saúde, rede de estímulo à geração de renda, atividades de lazer e cultura, visando à reinserção social dessa população. A iniciativa privada foi convidada a participar desse programa, apresentando boa taxa de adesão espontânea, oferecendo, inclusive, oportunidades de emprego formal.

Na esfera federal, entretanto, vimos assistindo crescente número de iniciativas que visam simplesmente transferir, de forma impositiva, a responsabilidade assistencial a esses grupos para o setor privado – como que isentando o poder público de cumprir a sua parte.

Um desaguadouro dessas transferências vem acontecendo na legislação que rege as licitações públicas.

As empresas construtoras já devem respeitar as cotas fixadas sobre jovem aprendiz, estabelecidas em leis, decretos e portarias. Da mesma forma essas empresas devem cumprir percentuais de contratação de pessoas com deficiência.

Agora, no texto-base da nova lei de licitações (Substitutivo ao PL nº 1292/95), em discussão no Congresso Nacional, foi inserido dispositivo que permite a exigência de contratação de “mulher vítima de violência doméstica” e de “oriundo ou egresso do sistema prisional”.

O dispositivo é genérico, sem apontar nenhum procedimento de como tais contratações serão efetivadas. Sabemos que egressos do sistema prisional necessitam de assistência psicológica, de saúde, de moradia em vários casos e principalmente de capacitação profissional. Quem cuidará disso?

E no caso de mulheres vítimas de violência doméstica, as necessidades são praticamente as mesmas. Como fazer a seleção dessas mulheres para contratá-las na construção civil? As empresas colocariam placas nas obras com os dizeres “Contrata-se mulheres vítimas de violência doméstica”?

Vai ficando claro que o poder público vai transferindo suas obrigações à iniciativa privada, sem maiores cuidados. E deixando de fazer sua parte. Por exemplo, no Brasil de dimensões continentais, temos apenas 21 Delegacias da Mulher, nem todas aparelhadas para suas funções.

E que dirá então da situação do nosso sistema prisional, infelizmente ainda um quadro vexaminoso para o país.

O setor da Construção Civil vem se destacando no processo de capacitação de seus trabalhadores, de segurança e de condições de saúde. Mas entende que não poderá responder sozinho por essa transferência de funções – que, para todos os efeitos, consiste numa privatização de políticas que cabem ao poder público.

Carlos Eduardo Lima Jorge é vice-presidente de Infraestrutura da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)

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