Robôs em licitações: menos isonomia ou mais eficiência?
A falta de regulamentação acirra embates sobre o uso de softwares para lances automáticos em pregões eletrônicos
Murilo Jacoby Fernandes e Victor Scholze
atualizado
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A Polícia Civil do Distrito Federal deflagrou, no início de dezembro, a Operação Decepticons, nome inspirado no uso de softwares para lances automáticos em licitações, conhecidos como “robôs”. Independentemente das ilegalidades apontadas pela investigação – como conluio e fraude – é interessante observar que a inspiração parte da premissa equivocada de que o uso dessa tecnologia em pregões eletrônicos é ilegal.
É primordial destacar que, na legislação, não existe qualquer vedação à utilização de softwares de oferta automática de lances pelos licitantes. A regra da licitação tem como propósito garantir a observância ao princípio da isonomia e selecionar a proposta mais vantajosa. No entanto, ela não deve ser considerada um fim em si mesma, mas um mecanismo para alcançar os objetivos e as necessidades da administração pública, materializando, assim, o interesse público.
O pregão eletrônico foi criado para propiciar eficiência, economicidade, celeridade e transparência às compras de governos. Em vista do amplo objeto de contratação – bens e serviços comuns – e de vantagens como otimização dos procedimentos e aumento do universo de competidores, a modalidade se consolidou como uma das mais utilizadas – 99,77% das compras do governo federal, em 2019, foram feitas dessa forma, revelam dados do Comprasnet.
No ambiente de progressivas inovações desenvolvidas no segmento de tecnologia da informação, alguns licitantes começaram a utilizar softwares disponibilizados no mercado que realizam lances de forma automatizada, parametrizada e sequencial. Com os softwares, os participantes conseguem ofertar lances automáticos e simultâneos em milésimos de segundos, comumente superando a inserção de lances feitos de forma manual pelos concorrentes.
A prática provoca intenso embate na comunidade jurídica. De um lado, argumenta-se que os softwares violariam a isonomia, porque atribuem vantagem competitiva aos licitantes que detêm a tecnologia. De outro, alega-se que não existe vedação legal para a utilização da tecnologia diante da ausência de regulamentação. Publicado em 2019, o decreto 10.024 resolveu, de certa forma, a questão, uma vez que incorpora novos procedimentos na etapa de lances permitindo ao gestor público escolher entre dois modos de disputa.
O decreto define que a etapa de lances pode ser aberta, que é quando os licitantes apresentam lances públicos e sucessivos, em disputa com duração de 10 minutos, com prorrogação automática quando houver lance nos últimos 2 minutos. Ela também pode ser aberta e fechada, permitindo aos licitantes apresentarem lances públicos e sucessivos, como proposta final fechada, em disputa com duração de 15 minutos. Nesse caso, não há prorrogações.
Encerrado o prazo, o sistema abre oportunidade para que os licitantes com lances até 10% superiores ao melhor colocado possam ofertar uma proposta final sigilosa e fechada. Ao final do tempo extra, o sistema ordena as propostas segundo a ordem crescente de valores. Os modos de disputa transferem o foco para a melhor, o que ao menos reduz a aleatoriedade.
Jurisprudência
No âmbito do Judiciário, existem posicionamentos tangenciais e isolados sobre a utilização de robôs nas licitações, mas sem analisar o mérito da questão. Os tribunais de contas, alinhados ao Tribunal de Contas da União, possuem jurisprudência no sentido de que a prática violaria a isonomia. Nesse sentido, as cortes de contas geralmente recomendam que a administração implemente mecanismos para impedir o uso dessas ferramentas.
Entretanto, em julgamento pioneiro, a Primeira Câmara do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) entendeu que não há impedimentos legais. A decisão destaca que a otimização trazida pelo uso da robótica favorece a celeridade e a eficiência. Tal entendimento, ainda que se constituindo em caso isolado, permite verificar a divergência de posicionamento mesmo entre os tribunais, e que a atual orientação do Tribunal de Contas da União (TCU) não tende a ser mantida sem opositores.
O Ministério da Economia tampouco veda o uso do pregão, mas estabelece procedimentos, constantes da Instrução Normativa nº 3, de modo a tentar equiparar o licitante analógico àquele que utiliza “robôs”, estabelecendo intervalo mínimo de lances.
O mercado globalizado e a velocidade da informação em tempos modernos exigem que o Brasil esteja apto à indução e ao fomento eficientes da ciência, tecnologia e inovação. Atualmente, os softwares para oferta automatizada de lances nos pregões eletrônicos são amplamente disponibilizados por um baixo custo. A administração pública, o Judiciário e os órgãos de controle não coibir essas práticas, mas fomentar e incentivar o desenvolvimento de novas tecnologias, em atenção ao princípio da vedação ao retrocesso social.
Considerando que a utilização de softwares para oferta de lances no pregão eletrônico proporciona automação e celeridade no procedimento, bem como aumento da competitividade em prol do menor preço, verifica-se que está em conformidade com o princípio da eficiência. As contratações públicas devem se aproximar das práticas do setor privado, para que seja alcançada a máxima eficiência econômica na satisfação da necessidade dos governos.
Murilo Jacoby Fernandes é diretor-jurídico do escritório Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados, advogado especialista em contratos e licitações públicas, consultor e professor de Direito Administrativo.
Victor Scholze é advogado e consultor do escritório Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados, com atuação especializada em licitações, contratos administrativos e tribunais de contas.