Reforma da Saúde: sem Estratégia Saúde da Família, não há alternativa
Me preocupa que haja tanta resistência, por parte de profissionais de saúde, à proposta lançada pela Secretaria de Saúde do DF
Vinícius Ximenes
atualizado
Compartilhar notícia
Primeiramente, é importante referenciar de qual lugar expresso meu ponto de vista. Sou brasiliense, filho e neto de candangos e após 13 anos conhecendo diversos lugares do país, volto a minha cidade.
Nesta nova fase percebo algo que me incomoda: uma das cinco maiores queixas dos brasilienses é a dificuldade de acesso a serviços de saúde, tanto no setor público como no privado — mesmo que a capital federal tenha mais de quatro médicos por mil habitantes, uma rede hospitalar e centros de saúde com razoável distribuição espacial.
Os argumentos da falta de recursos financeiros e de investimento, o sucateamento da infraestrutura existente e a baixa capacidade de gestão são possivelmente o “lugar comum” das diversas críticas ao setor público da saúde. Mas é necessário qualificar o debate, pois há nuances que podem sutilmente confundir a população.
Não só britânicos, mas espanhóis, portugueses, dinamarqueses, suecos, cubanos, costa-riquenhos e tantos outros povos, há quase 40 anos, optaram por um modelo de acesso a serviços de saúde onde cada pessoa tem seu médico de família. Ele é facilmente acessível, conhece e acompanha os pacientes durante toda a vida, e tem competências curativas e preventivas. Quando se adoece, a equipe desse especialista é a referência da população para resolver a maior parte dos problemas.
Mesmo em países com forte presença do setor privado na organização da saúde, como os Estados Unidos, diversos planos de saúde vêm garantindo a porta de entrada ao atendimento ambulatorial a partir da vinculação de seus segurados a médicos de família. A Kaiser Permanente, terceira maior seguradora de saúde dos EUA, já utiliza este modelo há mais de uma década, com resultados positivos.A organização da saúde, desta forma, mostrou-se mais racional economicamente, garantindo satisfação do usuário, menores filas para atendimentos primários, e hospitais e serviços de urgência menos sobrecarregados.
Nestes países, o médico de família faz residência nesta área e tem um treinamento específico para atuar e resolver a maior parte dos problemas de saúde. Cardiologistas, pediatras, endocrinologistas, psiquiatras, ginecologistas, continuam presentes, mas em equipes de apoio ou em policlínicas, dando retaguarda para o médico de família. Os pacientes são encaminhados para esses especialistas apenas quando não consegue ter seu problema de saúde resolvido no primeiro atendimento — o que não chega a 20%.
A maior parte do Brasil já vem apostando no crescimento da Estratégia Saúde da Família. Florianópolis (SC), por exemplo, tem 100% de cobertura, garantindo serviços de boa qualidade às pessoas — inclusive tendo o suporte de recursos do Governo Federal para implantação destas equipes. Me preocupa, entretanto, que em um momento de escassez orçamentária do DF, haja tanta resistência, por parte de profissionais de saúde, à proposta lançada pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
O novo modelo aproveita a capacidade de pessoal já existente nos centros de saúde, que estão concentrados principalmente onde menos se precisa, como no Plano Piloto, para implantar cobertura pela Estratégia Saúde da Família em todo DF, começando por áreas mais vulneráveis na periferia da cidade.
É importante compreender a mudança que está sendo proposta. Os centros de saúde tradicionais, pela sua organização, não dão uma referência territorial para organização do acesso. Não se pode falar em cobertura populacional de atenção primária a um serviço que não trabalha com conceito de área de abrangência.
Ou seja, precisamos fazer uma opção, uma aposta, e investir naquilo que tem a maior evidência de eficiência para fazer mais e melhor, com aquilo que temos disponível na saúde, sempre na expectativa de dias melhores, pensando-se o financiamento da área social em nosso país.
*Vinícius Ximenes é médico de família e comunidade. Professor da Faculdade de Medicina, da Universidade de Brasília. Sanitarista, é especialista na gestão de serviços e sistemas de saúde pelo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal da Paraíba e pela Fundação Osvaldo Cruz.