Quer uma Brasília desconfigurada? Mude-se. Há 5.570 opções
Alteração nas regras de construção em região tombada abre a brecha para, no futuro, outras áreas serem desconfiguradas, como as superquadras
Lilian Tahan
atualizado
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Quem é nascido e criado em Brasília já aprendeu a lidar com as idiossincrasias da capital desenhada por Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Mas essa não é apenas uma prerrogativa dos nativos. Há muitos candangos de coração. Gente que entende, ama e protege a cidade que brotou no Cerrado para ser vitrine do Brasil.
Os defensores do projeto que chamam de lar já se acostumaram com a opinião alheia. Há quem ame e quem deteste. Mas uma impressão é consenso: não existe no mundo quem passe indiferente ao lugar onde o plano é, para sempre, cruzar urbanidade com a linha do horizonte.
O céu de Brasília não é produto de efeito cósmico. Sua beleza é cantada e cultuada porque um dia os gênios da arquitetura decidiram que os edifícios dispostos nas áreas residenciais teriam uma altura máxima a ser respeitada.
Uma invenção que não só colecionou admiradores leigos em todo o mundo mas mereceu a atenção de especialistas e tornou-se objeto de preservação para sempre. Sem dúvidas de que a cidade da prancheta ganharia vida tão logo o projeto deixasse a brochura e passasse a abrigar as pessoas nas superquadras, setores, parques.
O movimento criou com o tempo a necessidade óbvia de adaptação do Distrito Federal. Seis novas cidades surgiram com as vantagens e desvantagens que este crescimento poderia representar.
Mas, até agora, ninguém ousou desconfigurar o Plano Piloto tombado como Patrimônio Cultural da Humanidade, a essência da capital brasileira tal qual concebida pelos arquitetos festejados há 60 anos.
Um projeto que chegará à Câmara Legislativa nesta segunda-feira (12/08/2019), no entanto, traz em suas entrelinhas esta armadilha. A chamada Lei do SIG autoriza a elevação da altura dos prédios na região que margeia o Eixo Monumental e faz fronteira com o Sudoeste.
A pretexto de atender ao interesse público, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) propõe aos deputados distritais a aprovação, o quanto antes, do projeto de lei complementar que mudará as regras de construção em uma área na qual 95% dos 370 lotes pertencem a grandes empresários. Muitos deles ligados ao ramo da construção, como demonstrou reportagem do Metrópoles.
O aumento do potencial construtivo dos prédios no SIG cria um perigoso precedente alertado por grandes especialistas ombreados com a defesa da manutenção de Brasília tal qual estabelecem as regras do tombamento.
A brecha por onde hoje podem surgir as mudanças no Setor de Indústrias Gráficas é a avenida que se abrirá para a desconfiguração, amanhã, das superquadras como admiramos e do céu como adoramos.
Por maior que seja o esforço do secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Mateus Leandro de Oliveira, de nos fazer crer que as autorizações no SIG são inocentes e indolores, onde passa um boi, passa uma boiada.
Mexer no Plano Piloto da capital do país com 5.570 outras opções de cidade para quem não gosta de Brasília é uma heresia.