Previdência: Rodrigo Rollemberg distribui pavor para colher apoio
Ao se valer da retórica de ameaça, Rollemberg jogou para toda a sociedade uma responsabilidade que é dele e de seu próprio governo
atualizado
Compartilhar notícia
Em entrevista neste domingo (9/9) ao jornal Correio Braziliense, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) expôs por que o Executivo precisa aprovar para ontem a reforma da Previdência, que permitirá ao GDF, entre outras medidas, unificar dois fundos de contribuição, um superavitário (R$ 3,7 bilhões) e outro deficitário (R$ 2,1 bilhões).
Com generoso espaço para explicar tecnicamente suas razões e se fazer convencer a partir de bons argumentos, Rollemberg mais uma vez optou por distribuir pavor para colher compreensão.
Disse o governador ao Correio Braziliense: “Estamos dando uma oportunidade à Câmara Legislativa e à cidade de fazer uma opção. Há a garantia, com a aprovação do projeto, de fazer a reestruturação da Previdência, com o pagamento das aposentadorias de todos os servidores públicos e funcionários ativos. Também existe a possibilidade de retornar ao dia 30 o pagamento dos integrantes da administração direta. Aos servidores que recebem do Fundo Constitucional, damos a garantia do repasse um pouco antes do quinto dia útil do mês. Prevemos o retorno do 13o junto com o salário para aniversariantes do mês; o pagamento em dia de horas extras da saúde; a antecipação de férias para os professores na primeira semana de janeiro; o repasse de parte das pecúnias referentes a 2016 dos servidores públicos; a remuneração em dia das empresas terceirizadas, e, portanto, dos terceirizados; e o pagamento dos fornecedores e prestadores de serviço”.
Ao se valer dessa retórica de alerta, Rollemberg jogou para toda a sociedade uma responsabilidade que é dele e de seu governo. Como assim o governador está “dando uma oportunidade” para a Câmara Legislativa e a cidade fazerem uma opção? Não foi a Câmara Legislativa e muito menos os servidores que deixaram a situação chegar a esse ponto.
Toda a lista de compromissos financeiros desfiada pelo chefe do Executivo como se fosse magnanimidade de sua parte, nada mais é do que obrigação ordinária do governo. Se a solução para os problemas de caixa do GDF era tão evidente, por que só depois de quase três anos essa proposta de reforma Previdenciária foi colocada à mesa? E sob a pressão de votação urgentíssima. Como ninguém teve a brilhante ideia antes que o DF chegasse ao ponto de atrasar salários e benefícios para os servidores e adiar faturas com fornecedores?
Os distritais que se insurgiram contra a medida não podem ser taxados de inimigos do povo. Ao contrário, eles tiveram um lampejo de cuidado quando ingressaram com um mandado de segurança para impedir que a proposta do governo fosse aprovada da noite para o dia.
A Justiça cumpriu o seu papel e os respaldou duas vezes. Primeiro, o desembargador Waldir Leôncio Júnior desautorizou o açodamento do Executivo local. Depois, a decisão em caráter liminar foi mantida pelo presidente do Tribunal de Justiça do DF, Mário Machado. Na mesma entrevista, Rollemberg disse que o “desembargador foi induzido ao erro por um parlamentar”, o que para o governador é “lamentável”, pois o deputado “usou de má-fé, porque conhece com profundidade o regimento”.
Está tudo invertido. Neste episódio (são raros), o distrital tinha de ser aplaudido. Que bom que ele conhece muito do regimento e o aplicou no caso.
Ainda na entrevista que concedeu ao jornal, Rollemberg subiu o tom de advertência para o de ameaça: “Mas, se o projeto não for aprovado, há a certeza, por total impossibilidade de fazer os pagamentos, de atraso ou parcelamento de salário; de atrasos a empresas terceirizadas; e, também, a continuidade dos atrasos de pagamentos para fornecedores e prestadores de serviços, o que é muito ruim para a economia da cidade”. E o governador elegeu Joe Valle, presidente da Câmara Legislativa, e um dos votos contra a medida, para dar um aviso geral: “O deputado Joe Valle, como representante do setor produtivo, sabe o transtorno que é para o empresário ter seus salários atrasados no momento de crise. Portanto, tenho certeza de que vai prevalecer o bom senso”.
Só que para a Justiça, para vários distritais e para representantes dos servidores, bom senso seria que os deputados tivessem tempo de estudar o projeto e, mais que isso, pudessem propor soluções alternativas. Afinal, a medida proposta pelo Executivo tende a salvar a pátria brasiliense durante a administração de Rollemberg, mas gerar um efeito rebote logo ali em 2020. Na ocasião, o governador pode ser outro, mas os servidores serão os mesmos. Portanto, não é de todo absurdo imaginar que as categorias estejam verdadeiramente inseguras, que a questão não se limite à atitude mesquinha de colocar uma pedra no sapato do governador que vai se valer de mais dinheiro em caixa como argumento de casa arrumada.
Na mesma entrevista ao Correio Braziliense, Rollemberg conta o momento em que, no 7 de Setembro, ficou lado a lado com o presidente da República. Ele reporta que aproveitou a ocasião para falar sobre a redução dos números de homicídio e dizer a Michel Temer que “Brasília está de pé”. Todas as vezes que Rollemberg cita esses dados, deixa de ponderar que o homicídio não é boa régua para medir o índice de violência social. Afinal, a maior parte desses casos são passionais, ocorrem em ambientes privados e não poderiam ser evitados ou motivados pela ação ou inércia do Estado.Os números que precisam ser ostensivamente acompanhados são os de crimes contra o patrimônio, de estupros, assaltos e roubos a pedestres. E mesmo que o governo diga que esses índices vêm caindo, a sociedade não é boba. Cada um de nós que vive em Brasília carrega consigo um aferidor calibrado do nível de insegurança que sente na pele. Representantes da própria Polícia Civil, responsável por registrar os crimes, afirmam que há divergência nos dados informados pelo governo com aqueles colhidos nos boletins de ocorrência das delegacias.
De modo que Rollemberg exagerou ao tratar da proposta de unificação dos fundos previdenciários como a única possível para resolver o problema no DF e subestimou a sensação de insegurança dos cidadãos.
Diferentemente do que argumenta o governo, os distritais enxergam alternativas para evitar a medida considerada drástica e perigosa por parte de sindicatos:
- – A primeira consiste na restituição do valor pago pelo Tesouro do DF a título de auxílio-doença de 2010 a 2016. Ao longo desse período, o Instituto de Previdência dos Servidores do DF (Iprev) deveria ter arcado com as despesas dos segurados, da mesma forma como acontece no Regime Geral de Previdência. No entanto, o GDF quitou a dívida do auxílio, mantendo os recursos no Iprev. Assim, o projeto dos deputados propõe o reconhecimento de uma dívida do Iprev com o GDF de R$ 260,9 milhões. Em valores corrigidos pelo INPC, o montante chega a R$ 306,7 milhões.
- – Outra proposta é reter, até o fim do ano, 50% da contribuição patronal destinada ao Fundo Capitalizado (FC), uma das duas reservas geridas pelo Iprev. Esses recursos — que representariam um aporte mensal de R$ 27 milhões ao GDF — seriam usados exclusivamente para pagar aposentadorias e pensões. Dessa forma, o rombo atual seria amenizado.
- – A terceira medida proposta pelos distritais seria um repasse mensal, na forma de duodécimo, do superávit do Fundo Capitalizado apurado na avaliação atuarial do exercício anterior. Dessa forma, as reservas do governo local também seriam turbinadas.
Pode ser que nenhuma delas sirva para resolver o problema do GDF (Rollemberg já descartou a primeira hipótese), mas o fato é que foram colocadas como opções e o Executivo deveria analisá-las sem revanchismo. Pode ser que hoje mesmo (10/9) o Supremo Tribunal Federal determine à Câmara que vote o projeto do Executivo. E pode ser até que a medida seja aprovada em breve (o governo trabalha para garantir maioria na Casa).
Mas somente com diálogo e sem criar um ambiente de terrorismo para o servidor é que o governo conseguirá explicar suas razões. Do contrário, Rollemberg corre um risco de ter contra si uma categoria horrorizada pelo fantasma de um funcionalismo insustentável. Agora ou em 2020.