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Por uma estratégia de guerra, também na Educação

Precisamos criar uma estratégia de guerra na Educação para salvar o direito às aprendizagens que precisam acontecer neste período

Autor Rafael Parente

atualizado

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Damircudic/Getty
aluno assiste aula no computador
1 de 1 aluno assiste aula no computador - Foto: Damircudic/Getty

Logo que se mudaram para a recém-inaugurada Brasília, com meu pai ainda menino, minha vó trabalhava como representante de uma metodologia de ensino de corte e costura. Lembro dela me dizendo: “Você acha que ensino a distância é algo moderno? Ledo engano. Naquela época usávamos primeiro os livros, e, depois, as fitas cassetes”. Essa mesma vovó, a querida Bebel, fez história na UnB como a aluna mais velha a se matricular em um curso a distância de computação, já com oitenta e tantos anos. À época, o feito chegou a ser matéria de jornal.

Mas o que tem a Bebel com o que vivemos hoje? Por que nossas conversas me vieram à cabeça, justamente neste período delicado em que vivemos? Explico: acredito que precisamos criar uma estratégia de guerra na Educação para salvar o direito às aprendizagens que precisam acontecer neste período e para não aumentar ainda mais a já enorme desigualdade educacional do nosso país. E não há alternativa que não passe pelo ensino a distância.

Os números que revelam o nosso drama não são novos. Sabemos, por exemplo, que a desigualdade entre alunos ricos e pobres no Brasil é uma das maiores do mundo. Nosso país tem a 5ª maior desigualdade em matemática e a 3ª maior em leitura e em ciências. 83% dos alunos mais ricos concluem o Ensino Médio com aprendizado adequado em Língua Portuguesa, enquanto apenas 17% dos alunos mais pobres conseguem aprender o suficiente.

Como podemos imaginar que ricos e pobres podem competir em pé de igualdade por empregos e vagas nas melhores universidades com uma realidade como esta? E o que podemos fazer para que o problema não se agrave ainda mais neste momento?

Aulas suspensas

Por conta da Covid-19, todos os estados e o DF estão com as aulas suspensas. Pesquisas recentes de sindicatos, do Consed e do Cieb já demonstram o óbvio: as melhores escolas particulares e as redes públicas mais bem estruturadas e com mais recursos já organizaram algum tipo de estratégia para que crianças e jovens estudem em casa, mesmo sendo este um enorme desafio para pais e professores.

No entanto, a quantidade de redes públicas que ainda não conseguiu organizar algum tipo de planejamento básico é considerável. Não é exagerado imaginarmos que estas redes (e um grupo considerável de escolas particulares) não conseguirão fazê-lo sozinhas. Muitas precisarão de ajuda.

Outros fatores

Para complicar ainda mais, precisamos adicionar outros fatores a esta análise conjuntural:

1) Há um apagão no MEC e há falta de uma liderança educacional séria, a nível federal e em alguns estados;

2) Não temos números confiáveis no país e não sabemos por quanto tempo as aulas estarão suspensas. Sabemos que há subnotificação. Em suas últimas análises, o ministro Luiz Henrique Mandetta e os técnicos do ministério da Saúde concluíram que o pico da pandemia no Brasil deve acontecer no meio de maio. Em um cenário otimista, as aulas devem ser retomadas em julho. Para o biólogo Atila Iamarino, devemos repensar a maneira como a sociedade vai funcionar nos próximos dois anos, pois é provável que tenhamos de alternar períodos de abertura e novas quarentenas. Em outras palavras, temos de compreender que não é mais o semestre que está em risco, mas todo o ano letivo;

3) Há várias iniciativas louváveis na tentativa de organizar uma ajuda para as redes, partindo do CNE (Conselho Nacional de Educação), do Consed, da Undime, de redes mais estruturadas e do terceiro setor. Um comitê de crise já foi criado. É apenas um começo. Devemos nos conscientizar que o problema pode ser bem maior do que o que imaginamos e que precisamos pensar e fazer mais e mais rapidamente.

Soluções

Quais seriam possíveis soluções? Temos experiências exitosas de ensino a distância e mediado pela tecnologia em vários estados e cidades. A metodologia do Telecurso foi amplamente difundida em todo o Brasil e teve sucesso em boa parte das vezes em que foi implementada. No Rio de Janeiro, criamos a Educopédia há mais de 10 anos e ela foi uma estratégia importante para melhorar a aprendizagem dentro e fora das escolas. O estado do Amazonas obteve ótimos resultados com os telecentros.

A partir de referências nacionais e internacionais, poderíamos criar, rapidamente, uma plataforma inteligente, com aulas digitais baseadas na BNCC e que pudesse ser acessada por computadores, tablets ou celulares. Os professores teriam de ser formados (também a distância e na própria plataforma) para fazer bom uso, e acordos com as telefônicas poderiam ser firmados para que o acesso por qualquer celular não fosse cobrado.

Como ainda temos muitas famílias que não têm acesso a celular ou internet estável e de qualidade, teríamos de contar com um plano B, que utilizaria canais televisivos abertos, apostilas impressas e lápis enviados para as casas dos alunos pelos correios. Poderíamos ter programas com horários semanais fixos para cada ano, cada área do conhecimento, e cada etapa de escolarização. Crianças pequenas e em idade de alfabetização necessitariam, obviamente, da ajuda dos familiares ou de outras pessoas da comunidade que pudessem ajudar a mediar as atividades (muitas delas têm as famosas explicadoras).

O que será que Bebel diria? Se ela acreditou, nos anos 1960, que poderia ensinar senhoras a costurar a distância, se com quase 90 anos se dedicou a aprender a lidar com o computador também a distância, ela acreditaria sim, que somos capazes. Ela acreditou e conseguiu. Precisamos de liderança e de investimento para que nossas crianças e jovens pobres não fiquem para trás.

O EAD não pode ser compreendido como estratégia para substituir as aulas presenciais ou para sucatear a educação presencial, mas pode ser fundamental, neste momento, para a diminuição da desigualdade. Se ainda estivesse viva, Bebel faria parte do grupo de risco. Muito mais importante, porém, ela faria parte do grupo da esperança. De que podemos e vamos passar por isso mais fortes, mais humanos, e mais iguais.

Rafael Parente é diretor da BEI Educação, PhD em Educação e ex-secretário de Educação do DF

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