Por que somos contra a Lei do Silêncio
Em nova seção, você vai saber o que pensa o Metrópoles sobre temas importantes para a cidade e o país
EDITORIAL
atualizado
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Escutamos os dois lados dessa história e vamos gritar para todo mundo ouvir: somos contra a Lei do Silêncio. Para alcançar seu mais elementar objetivo, uma norma criada precisa ser cumprida. Surge, assim, a primeira incompetência da Lei do Silêncio. Você, eu, o produtor cultural, o músico, seu filho, o meu, o nosso vizinho e, certamente, o distrital que a propôs na Câmara Legislativa e quem sancionou esta lei em nome do governo não a obedecem.
Há seis faixas que limitam os decibéis de acordo com a natureza do lugar. Para áreas residenciais, um máximo de 50 dB(A); se for comércio, 60 dB(A); no circuito industrial, 70 dB(A); na fazenda, 40 dB (A) ou se o endereço tiver a tal da vocação recreativa, aí pode até 65 dB(A). A meta de enquadramento é ainda menor ao anoitecer. Limites que nem em sonho é possível respeitar.
Se não, vejamos. O músico Esdras Nogueira fez uma didática demonstração de como a Lei do Silêncio é conversa para boi dormir. Um ensaio de balé infantil, a celebração de uma missa, os carros que vão e vêm, uma redação de jornal (prepare os ouvidos) ou o inocente cricrilar dos grilos, tudo é absolutamente ilegal porque ultrapassam a barreira estabelecida dentro de gabinetes que, desconfiem, se são silenciosos demais, é porque há criatividade de menos.
Constatar a ineficácia da lei é tão fácil quanto infringi-la. Há aplicativos gratuitos de celular que medem, com certa margem de erro, claro, até onde o som é aceitável de acordo com as normas vigentes. Você vai perceber que até o choro do seu filho pode lhe tornar um fora da lei.
O dono da caneta que sancionou (confirmou) a Lei 4.092 de 2008 é o empresário Paulo Octávio. Na época, ele exercia o cargo de vice-governador do Distrito Federal. No dia da assinatura do documento, estava na função de chefe do Executivo. Ao restringir o volume em espaços públicos e residenciais, é de se supor que os shoppings (Paulo Octávio é dono de vários deles na cidade) se fortaleçam como centro de lazer, dentro de uma proposta que tenta higienizar a cultura, enquadrá-la e resfriá-la em ar-condicionado.
Mas quando se coloca o termômetro para medir a vontade popular, a temperatura costuma ser ambiente. Eventos como o Chef nos Eixos, o Picnik, o Suvaco da Asa e o Green Move são demonstrações da reação a este movimento.
Como só os monges trapistas, que fazem voto de silêncio, são capazes de cumprir os decibéis impostos no DF, não há como fazer coro com essa regra. Temos, sim, de fazer barulho até que as autoridades compreendam a importância de rever esses limites monasteriais. Em uma situação como essa, não há dois lados. Todos somos a favor de uma cidade viva, que respire cultura e entretenimento. Todos queremos ter a chance de chegar em casa e dormir em paz.
Mas definitivamente não será uma lei surda como a que está em vigor que vai nos garantir o equilíbrio saudável entre a agitação cultural que move a cena de uma cidade e o direito ao silêncio que o corpo humano necessita. Por isso, vamos gritar que somos contra e debater o assunto até que deputados e governo deem ouvidos.