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Paul e Pedro: encontro revela as desigualdades no Haiti

Aos 36 anos, Paul é só um ano mais novo do que eu. Conheci ele e seu filho, também chamado Paul, de 3 anos, em uma antiga igreja em Jeremie, parcialmente destruída pela passagem do furacão Matthew no Haiti. Nas salas do prédio que ainda permanecem em pé, pai e filho têm morado desde o […]

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1 de 1 haiti 1 - Foto: UNICEF/2016/Haiti/Alcantara

Aos 36 anos, Paul é só um ano mais novo do que eu. Conheci ele e seu filho, também chamado Paul, de 3 anos, em uma antiga igreja em Jeremie, parcialmente destruída pela passagem do furacão Matthew no Haiti. Nas salas do prédio que ainda permanecem em pé, pai e filho têm morado desde o último 4 de outubro, dia do desastre, ou seja, já estavam há quase um mês vivendo no local.

Ele, desabrigado. Eu, trabalhador humanitário. Ele, haitiano. Eu, brasileiro. Ele, pai solteiro. Eu, sem filhos. Ele, negro. Eu, branco. Na superfície, todas as desigualdades do mundo nos separavam. Em uma primeira mirada, nosso único ponto em comum era o motivo que fez com que nos conhecêssemos: a destruição causada pela passagem do furacão Matthew por Jeremie, cidade do Departamento Sud, a cerca de sete horas de estrada da capital Porto Príncipe.

Paul chamou a minha atenção quando ele esperava o atendimento para o seu filho em uma clínica móvel, montada por uma organização parceira do UNICEF como parte de nossa resposta a essa emergência. O UNICEF (clique aqui, para doar) está presente no Haiti desde 1949. Agora, depois do furacão, nossas equipes estão ampliando ainda mais os esforços de reconstrução e fortalecimento do país e trabalhando para reduzir o impacto na vida das crianças, especialmente as mais vulneráveis.

A clínica móvel foi montada em uma das salas do abrigo. É temporária, mas salva muitas vidas. Na fila do lado de fora da sala, centenas de pessoas esperam sua vez para uma consulta. Para muitos, uma das poucas de sua vida. Nesse dia, a brisa que vinha do mar do Caribe ajudava a aplacar um pouco o calor.

Na entrada, crianças como o pequeno Paul, idosos e quem mais necessitava de cuidado médico eram recebidos por uma enfermeira responsável por fazer a primeira triagem: pegava os dados dos pacientes, perguntava como estavam se sentindo, media o peso e tirava a temperatura. Tudo em kreyòl, a língua local do Haiti.

De longe, Paul, o pai, se destacava. Era o único homem entre muitas mulheres com seus filhos. Fiquei um tempo observando pai e filho. Via o pequeno Paul franzindo a testa, quieto, olhar cabisbaixo. O pai tão dedicado e carinhoso, confortando o filho doente.

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Segui observando. A conversa com o médico. Exames clínicos. O pequeno Paul havia passado uma noite muito difícil. Febre alta. Falta de apetite. Nada de dormir. Suspeita de malária. Eu, ainda de longe, mas já totalmente envolvido com pai e filho. A distância começou a encurtar e fui me aproximando.

O pequeno Paul ia ser submetido ao teste rápido para diagnosticar a doença. Uma picada no dedinho anelar. Susto, choro e uma gotinha de sangue coletada para o exame. Fiquei ao lado deles esperando o resultado.

Naqueles minutos em que aquela gotinha de sangue ia reagindo com o teste, o pai consolava o filho, que ainda chorava. Eu seguia olhando o teste. Rosa. Vermelho bem clarinho. Vermelho. Diagnóstico pronto. Não reagente. Malária descartada e um grande sorriso no rosto do pai preocupado. O pequeno Paul estava apenas com uma forte gripe e em alguns dias já estaria melhor.

Enquanto pai e filho esperavam sua vez para pegar os remédios prescritos, começamos a conversar. Francês, com algumas palavras que sei de kreyòl, muitos gestos e vontade de conhecer um pouco mais as realidades tão diferentes em que vivemos. Em pouco tempo, estávamos eu sentado no chão da sala e Paul agachado ao meu lado abraçado ao filho. Cada um se esforçando ao máximo para entender e se fazer entender.

Foi assim que fiquei sabendo que a casa em que ele vivia com uma tia, um tio, duas primas, quatro sobrinhos e o pequeno Paul desabou. O furacão Matthew não deixou nenhuma parede em pé. “Tout detwi”. No meio da tempestade, toda a família foi obrigada a buscar um refúgio seguro. Imaginei o desespero que é para um pai ter que enfrentar ventos que chegaram a mais de 200 km/h, com o filho nos braços.

Aos trancos e barrancos, muitas vezes totalmente lost in translation, fomos tentando nos conhecer. Ele me convidou para visitar a sala em que ele, o pequeno Paul e toda a família estão vivendo. São mais ou menos 30 metros quadrados que eles transformaram em casa. Um espaço para dormir, um outro que faz as vezes de uma pequena cozinha. Alguns bancos e o que sobrou dos objetos pessoais. Observei que só havia dois colchões, um de casal e um de solteiro, muito menos do que o necessário para acomodar a família com o mínimo de conforto.

Perguntei como era viver ali, todos juntos naquela sala. A resposta me surpreendeu: “Pa pi mal” (“Não tão ruim”, em português). Na verdade, a sua maior preocupação é a possibilidade de o governo resolver desocupar o prédio em que eles estão vivendo e de não terem outro lugar para ir.

Paul me contou que ele é um “chapantri, travayè konstriksyon”, operário em pequenas obras. Ele quis saber mais sobre o meu trabalho e me perguntou o que estudei, quantos idiomas falo, como é o Brasil, se eu gosto de viajar de avião. Me chamou de “bon bagay”, quem conhece o Haiti sabe que isso é um baita elogio.

Meu coração apertou quando ele disse que eu era inteligente e ele não. Nunca quis tanto ser fluente em kreyòl para poder dizer a ele a verdade: que não era nada daquilo, que o que nos separava era uma única palavra que define a vida de cada um de nós, desde crianças: oportunidade

Mas, no fundo, Paul sabe bem o que é isso. É justamente isso que ele quer que seu filho tenha. Ele me contou que todo dinheiro que consegue nos seus trabalhos esporádicos é destinado ao pequeno Paul. Paul quer muito que o filho chegue logo à idade para poder ir para a escola e aprender francês. Quando perguntei como ele imaginava o futuro de seu filho, seus olhos se encheram de lágrimas. Fico pensando se eram de esperança ou medo? Acho que foi um pouco dos dois.

Meu tempo ali se acabara. Eu precisava partir com meus colegas do UNICEF para um centro de tratamento de cólera. Nós nos demos um abraço e tiramos um selfie. Na foto, as diferenças que nos separam já estavam em um segundo plano. Espero que, na vida real, elas também estejam. Trabalho todos os dias para isso.

*Pedro Ivo Alcantara é oficial de comunicação do UNICEF e tem trabalhado nas principais emergências da América Latina e Caribe

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