O Tigre Branco, a corrupção e a galinha no galinheiro
O filme da Netflix, que se tornou o mais visto da plataforma, estimula importantes reflexões
Valdir Oliveira
atualizado
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O isolamento social, fruto desta pandemia, nos ajuda a refletir sobre a vida. Sem poder optar por diversões fora do lar, somos instigados com leitura, música ou filmes, que passaram a ser opções de entretenimento seguro. Nos últimos meses, assisti a alguns filmes indianos. Um deles foi marcante. O longa O Tigre Branco trouxe a realidade da cultura de castas indianas e mostrou como a corrupção pode ser estimulada para que a galinha possa sair do galinheiro.
O tigre branco é um dos mais raros animais existentes e, segundo pesquisadores, nasce apenas um em cada geração. A sua raridade o faz especial, único. Entre nós, humanos, também temos nossos “tigres brancos”. Independentemente da classe social em que nascem, apesar das dificuldades ou da falta de oportunidade, são especiais em seus talentos e podem trilhar caminhos impensáveis na busca de uma vida melhor. Pena que, muitas vezes, o ambiente e a estrutura social não permitem que eles atinjam o seu potencial. O abismo entre classes sociais ou castas, como visto no filme, tende a manter o tigre branco como eterno serviçal, e sua vida será apenas para servir os mais abastados. Se a própria sociedade não compreender e ajudar na busca por oportunidades, nunca sairemos de uma vida em que uns nascem para servir e outros para serem servidos.
O filme retrata a realidade indiana, cultura diferente da nossa. A desigualdade entre as castas é muito mais abissal que a das nossas classes sociais. Porém, a subserviência é característica de ambas, dos desprovidos de privilégios. É como as galinhas no galinheiro que, presas, sentem a morte de perto e, mesmo sabendo que são as próximas do abate, são incapazes de se rebelar e fugir. Os serviçais também são criados para se comportar da mesma forma. Sua lealdade a seus senhores é tão grande que, como as galinhas presas, são incapazes de se libertar, mesmo se houver a oportunidade.
No filme, o tigre branco, de raro talento entre seus pares, presencia ao longo de sua vida diversos momentos em que a ultrapassagem do limite ético era o único caminho para a prosperidade e que a esperteza era o principal ingrediente para a sobrevivência. Mesmo com sua formação e conformismo de serviçal, a cada agressão recebida, confrontava seus próprios princípios e aumentava seu desejo de abrir a porta do galinheiro para sua libertação. Esse sentimento foi crescendo e o limiar da ética foi se flexibilizando, com o alargamento do limite do aceitável para conquistar suas oportunidades. Devagar, o tigre branco foi se igualando aos demais na sobrevivência, deslocando o eixo ético de seus princípios, movimento sem retorno na introdução da corrupção em sua vida. E assim, o tigre branco foi se transformando no mesmo tipo corrupto de seus mestres, a quem servia com lealdade e retidão.
A narrativa da transformação do tigre branco em corrupto para fugir do galinheiro não é tão diferente em nosso mundo ocidental. A corrupção é parte da nossa imperfeição, uns mais e outros menos, mas temos nossos momentos de comportamento desonesto na busca por nossas oportunidades. Alguns até aceitos pela sociedade, outros recriminados, mas todos sempre escondidos em nossa própria consciência. A fábula apresentada pelo filme indiano mostra que mesmo na maior democracia do mundo a liberdade do voto não altera a natureza corrupta do ser humano.
O combate ao comportamento desonesto não está apenas na repressão, mas, principalmente, na redução da diferença de classes e na democratização de oportunidades para que o tigre branco possa utilizar de seus talentos para trilhar o caminho da sua satisfação. E assim, mostrará que todos podem alcançar seus objetivos com seus próprios esforços, sem precisar romper barreiras éticas. Sem a democratização das oportunidades, só restará ao tigre branco a picada aberta no caminho da desonestidade e a utilização da esperteza e da lei de Gérson para alcançar sua satisfação. Fazendo isso, demonstrará aos demais que o caminho da prosperidade é a fuga do galinheiro por meio da ruptura ética. É assim que criamos um mundo onde a corrupção passa a ser a arma para vencer a guerra da sobrevivência e da conquista de uma vida melhor.
Se os mais privilegiados podem desperdiçar suas oportunidades, os mais necessitados não poderão. A sociedade precisa proteger o tigre branco e fazer dele uma referência na construção de suas vidas. Quem nasce entre as galinhas do galinheiro não pode ter no caminho da contravenção sua única forma de libertação, muito menos ser essa a fonte de seu desejo do sonho de prosperidade. Uma sociedade mais justa e mais igualitária se orgulhará do seu tigre branco e mostrará para quem está no galinheiro que a chave da libertação está no seu próprio talento. É assim que faremos a grande revolução, sem armas de fogo e sem ódio, respeitando a si mesmo e ao próximo, mostrando que a verdadeira mudança, a que transforma, está na nossa consciência, que traduzida em princípios éticos, resultará em uma sociedade mais justa, onde a corrupção não prosperará.
* Valdir Oliveira é superintendente do Sebrae no DF
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