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O que há por trás da disputa pela marca Legião Urbana

Não há dúvida sobre a titularidade da marca Legião Urbana, mas existe um fator emocional na discussão

Marcelo Cama Proença Fernandes

atualizado

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legião urbana estúdio gravação
1 de 1 legião urbana estúdio gravação - Foto: Divulgação

A longa disputa judicial pelos direitos da marca Legião Urbana volta aos tribunais na terça-feira (29/6). A Quarta Turma do Superior Tribunal Federal (STJ) conclui o julgamento da ação que definirá se os ex-integrantes da banda Legião Urbana têm o direito de usar a marca sem a necessidade de autorização do titular, a empresa Legião Urbana Produções Artísticas Ltda.

Inicialmente, é importante observarmos que, em momento algum, discutiu-se a titularidade da marca Legião Urbana. O registro pertence à Legião Urbana Produções Artísticas Ltda., administrada hoje pelo herdeiro de Renato Russo, Giuliano Manfredini. Isso nunca esteve em questão. O que se pretende é o uso da marca registrada pelos dois ex-integrantes da banda, sem autorização da titular e sem o devido pagamento pela licença de uso.

A simplicidade jurídica da disputa, somada ao fato de que ela ganhou proporções muito maiores do que deveria, traz à tona algumas preocupações a propósito de uma falta de compreensão da sociedade brasileira a respeito da importância de um sistema de defesa da propriedade intelectual realmente efetivo.

Uma cultura de proteção à criação intelectual é essencial para um ambiente econômico, social, científico e cultural verdadeiramente inovador. Aliás, quando o tema é inovação, o Brasil se encontra muito atrasado e aquém de suas reais possibilidades.

Em 2020, por exemplo, o país ficou em 62º lugar no Índice Global de Inovação, divulgado pela Organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI) – atrás, por exemplo, do Chile, do México e da Costa Rica. É preciso avançar mais para alcançar-se um desejado estágio de crescimento sustentável.

O artigo 129 da Lei Federal nº 9.279, de 1996, estabelece que a propriedade de determinada marca se adquire pelo registro, assegurando-se ao titular o uso exclusivo e irrestrito, em todo o território nacional.

No caso da marca Legião Urbana, tal registro foi pedido inicialmente pela empresa Legião Urbana Produções Artísticas Ltda. em setembro de 1987, tendo sido definitivamente deferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 2000. Já o artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal assegura a necessária proteção jurídica à propriedade das marcas, ou seja, aquelas obtidas pelo titular após o registro perante o INPI.

O complexo normativo que trata da matéria não poderia ser mais evidente. Em um ambiente de razoável segurança jurídica e de cultura de proteção à propriedade intelectual, a análise das normas que tratam do tema seria mais do que suficiente para pôr fim a uma disputa dessa natureza. Portanto, não deveria existir controvérsia a respeito do tema.

Não há dúvida a propósito da titularidade da marca Legião Urbana, afastando-se qualquer alegação de cotitularidade ou de uma dimensão social no uso dela por alguns dos ex-integrantes da banda.

Inconformismo

As dúvidas em torno da disputa parecem encontrar-se no compreensível fator emocional que a discussão desperta nos milhões de fãs da banda Legião Urbana. O problema, infelizmente, está associado a um inconformismo dos músicos, que decorre, em ampla medida, das dificuldades ainda existentes na sociedade brasileira em compreender o significado, o alcance e os relevantes objetivos da defesa da propriedade intelectual.

Há claramente uma mistura de questões de cunho social com normas de direito marcário, ao se tratar da possibilidade de os ex-integrantes poderem fazer referência à antiga banda. Em momento algum questionou-se a possibilidade de os ex-integrantes executarem as canções da banda Legião Urbana.

O tema, inclusive, é superado no voto da ministra Maria Isabel Gallotti no julgamento do caso, quando ela afirma que não estão em discussão questões de natureza social associadas à utilização da marca pelos ex-integrantes da banda.

A magistrada ainda apontou que o reconhecimento do direito de uso da marca pelos ex-integrantes da banda caracteriza uma violação ao seu registro perante o INPI, sem que aquela autarquia federal tivesse a oportunidade de se manifestar a respeito. Isso, na realidade, cria uma situação de incerteza e insegurança bastante prejudiciais ao bom funcionamento do sistema de proteção à propriedade intelectual brasileiro.

Os ex-integrantes não serão cerceados em seus direitos artísticos. Não há proibição a que eles se apresentem ao público como ex-integrantes do grupo e cantem os conhecidos sucessos da Legião Urbana, como bem enfatizado no voto proferido pelo ministro Luís Felipe Salomão no julgamento do caso.

A questão trata dos direitos do titular do registro da marca. Não se cuida de direitos autorais. A banda, tal como conhecida do público e designada por Legião Urbana, não existe mais. Ela desfez-se com a morte de um de seus integrantes.

Nada e ninguém poderão trazer de volta o talento de Renato Russo. Ele era o rosto, a voz e a alma do grupo. Com a morte dele, encerrou-se a Legião Urbana. Ela existe na memória dos fãs e no importante legado à cultura brasileira.

A tentativa de ressuscitá-la peca contra a história da banda, despreza o seu enorme legado, desrespeita os seus admiradores e atenta contra o sistema de propriedade intelectual brasileiro. A linda trajetória da Legião Urbana merece mais do que isso.

  • Marcelo Cama Proença Fernandes é doutor em direito pela Universidade de Brasília (UnB); procurador do Distrito Federal, advogado e professor dos programas de graduação, mestrado e doutorado do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

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