O que aprendi com uma matéria lida mais de um milhão de vezes
A história da australiana Carlie Maree impactou os leitores e gerou uma onda de compartilhamentos que foi além das redes – as pessoas dividiram suas emoções
Gabriela de Almeida
atualizado
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O jornalismo digital vive um momento delicado. Equilibra-se entre o noticiário factual, as matérias especiais (aquelas reportagens com apurações mais detalhadas que exigem um esforço maior de equipe) e os virais – os textos que rendem cliques, mas que são vistos como uma grande bobagem pela maioria das pessoas.
“Tá faltando assunto?” é o que mais nos respondem quando postamos os virais. Mas os comentários no Facebook não refletem os números que mostram o interesse dos leitores pela notícia. Por mais bizarras que possam parecer, essas matérias são muito acessadas. Tema delicado para nós e para quem nos lê. Mas é preciso ter calma. Por trás dos títulos há, muitas vezes, grandes histórias.
Neste mês, tivemos mais de um milhão de acessos em uma única matéria. O título é costurado para pegar o leitor de redes sociais: “Mulher escreve carta lacradora à amante do marido“. Está entre as mais lidas há semanas e já rendeu mais de 80 mil compartilhamentos. É um número grande, muito grande. Assustador, eu diria.
Curiosa, achei que deveria dar uma lida nos comentários para tentar entender o fenômeno. E foi aí que levei um “murro”. Um choque de realidade. Me senti atingida quando desci a barra de rolagem e vi dezenas de mulheres dividindo as suas vidas naqueles campos de mensagem. São relatos pessoais, muito íntimos.
Deixa eu situar você, caro leitor. A matéria conta a história de Carlie Maree, uma australiana que recebeu um e-mail da amante do marido, contando todos os detalhes da vida paralela que ele levava com ela. Carlie escreveu uma carta para a amante, também para dizer como aquilo afetou a família dela e, acreditem, é um relato verdadeiramente emocionante.
A história de Carlie entrou em um campo muito sensível e inabitado por muitos de nós: o da empatia. Inúmeras mulheres se colocaram no lugar da australiana porque já vivenciaram a mesma situação ou algo semelhante. Há ainda quem tenha sofrido traições piores, que envolveram familiares, mas, neste caso, não existe quem sofreu mais ou menos. Essa competição é cruel e injusta.Mesmo quem nunca foi traída se colocou no lugar da australiana, compreendendo sua dor e enviando mensagens carinhosas de força e superação. Essa rede é muito positiva e faz bem a todas as mulheres. Acreditar que outras pessoas já passaram por isso e vivem estáveis emocionalmente, tiveram suas vidas reestruturadas e conseguiram dar a volta por cima é extremamente reconfortante.
Há relatos que mostram como a maternidade é dura para a mulher, pois os homens buscam “fora de casa” a sexualidade que a esposa (mergulhada no universo do bebê) não tem naquele momento. É duro ver como a sociedade coloca culpa em nós, mulheres, inclusive em casos graves como esse.
Veja alguns relatos:
Chocada! Vivi uma situação semelhante em meu casamento. Eu sentia tudo. Sabia tudo. Por fim, ele confessou. Ela, eu nunca me deparei. Nunca se manifestou. Mas engravidou de uma menina, “Vitoria”. Tudo que ele queria ter comigo segundo ele disse quando conversarmos. Esperei, sofri, fiz tudo que uma mulher que ama faz. Mas ele não foi digno do meu amor. Hoje já superei. Lá se vão 7 anos! Incrível me ver e pensar que passei por tudo isso… Parabéns pela atitude
Muito parecida com a minha história, chorei. Me dediquei tanto ao meu esposo e ao meus filhos e depois de 5 anos convivendo descubro que ele estava tendo um caso com a minha irmã e, depois de tudo, passei por cima dos meus sentimentos e orgulho e continuo com ele. Justo no dia 2 do mês de julho no ano de 2000, dia do aniversário dele, eu descobri tudo, fiquei sem chão… Queria sumir, pegar os dois, mas estava na quarta gestação e não tinha pra onde ir com meus filhos, uma vez que já vivia de favor na casa dos meus pais ou na casa da mãe dele. No momento, preferi acreditar que ela foi a culpada. Hoje, já com 21 anos de convivência, não sou mais a mesma, não tenho o carinho que tinha por ele e ainda sofri com mais uma traição. Há 2 anos minha vontade é de ir embora, sair pra longe, mas penso em meu trabalho e meu filhos. E ele faz tudo que pode para eu permanecer ao lado dele. Às vezes, paro no tempo pra poder lembrar momentos bons, pra poder ter forças pra continuar
Eu nunca fui traída. Não que eu saiba, claro. Mas consegui sentir toda a dor de cada uma das mulheres que abriram os seus corações na “carta lacradora”. E o resultado de tudo isso? A internet é realmente um mundo enorme, às vezes, desanimador, às vezes, impressionante. Mas ela pode ajudar muita gente, com ações concretas e palpáveis e, em muitos casos, só com uma palavra de conforto.
Use a internet para o bem. Ajude quem está passando por um momento difícil, enumere as qualidades daquela sua amiga ou amigo que enfrenta uma grande batalha e diga: “tudo vai passar, as coisas vão melhorar”. Os campos reservados para os comentários nas redes sociais podem – e devem – ser usados para espalhar palavras de apoio, afeto e carinho. Assim, logo logo veremos que, até no meio das “bobajadas”, circulam grandes corações.