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O problema na revisão das prisões cautelares e os habeas corpus no STJ e STF

Competência para revisão da medida criou imenso imbróglio interpretativo nas Cortes Superiores

Flávia Guth

atualizado

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Arquivo/Agência Brasil
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1 de 1 prisao-detentos - Foto: Arquivo/Agência Brasil

A Lei n° 13.964/19, mais conhecida como Pacote Anticrime, alterou as disposições do artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, para incluir a denominada revisão periódica obrigatória da prisão preventiva. Significa que, a cada 90 dias, o órgão emissor da decisão deverá, inclusive de ofício, proceder ao reexame da necessidade da prisão cautelar, sob pena de constranger, de forma ilegal, o preso provisório.

Essa exigência legislativa representa postulado de proteção à pessoa detida, como forma de se evitar constrangimentos ilegais, garantindo ao preso provisório a constante análise da existência dos fundamentos que o mantém no cárcere.

Trata-se de garantia processual de extrema relevância ao preso provisório, que representa pouco mais de um terço da população carcerária brasileira. Ou seja, 33% dos presidiários no Brasil não têm, contra si, sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado. Esse dispositivo indica que a redução de presos provisórios era ideia do legislador.

Tem-se, portanto, que o prazo imposto por lei para a revisão dos fundamentos do decreto de prisão cautelar é de 90 dias, improrrogáveis, e que, na hipótese de inobservância, conduz à ilegalidade da segregação provisória.

Muito embora as disposições do referido artigo sejam claras, tanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) têm interpretado o artigo 316, parágrafo único, do CPP, de modo a conferir contornos relativos à obrigatoriedade dessa revisão no prazo de 90 dias.

Análise no Supremo

No julgamento do Habeas Corpus n° 189.948/MG, o Ministro Gilmar Mendes entendeu que a ausência de revisão periódica da prisão preventiva não conduz, de imediato, à ilegalidade da medida, de modo que caberia ao Supremo Tribunal Federal não o reconhecimento do constrangimento ilegal, mas a mera determinação para que a autoridade competente proceda à revisão determinada pela lei.

No mesmo sentido vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, em ambas as Turmas da Seção de direito penal. Para o STJ, apesar de o legislador ter inserido, no Código de Processo Penal, importante garantia ao preso provisório, eventual atraso na revisão do decreto cautelar não importaria no reconhecimento automático da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade (AgRg no HC 580.323/RS, rel. ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 02/06/2020, DJe 15/06/2020; AgRg no HC 588.513/SP, rel. ministro Rogerio Schietti Cruz, 6 ª Turma, julgado em 30/06/2020, DJe 04/08/2020).

E o Superior Tribunal de Justiça diz mais. No último dia 8, por meio de sua 6ª Turma e no julgamento do Habeas Corpus n° 589.544/SC, de relatoria da ministra Laurita Vaz, entendeu-se que, uma vez encerrada a instrução criminal e prolatada a sentença ou acórdão condenatórios, a impugnação à prisão preventiva deve ser feita nos sucessivos recursos interpostos pela defesa, sem prejuízo da possibilidade de impetração do habeas corpus a qualquer tempo.

O perigo e a razão da cautela, segundo a ministra relatora, repousam na concreta possibilidade de transferir, ao STJ e demais tribunais, uma obrigação que se tornaria inexequível, pelo imenso volume de trabalho nessas Cortes.

No entanto, é de se questionar ponto que reputo relevante: conforme decidido pela 6ª Turma do STJ, na ausência de revisão obrigatória trazida pelo artigo 316, parágrafo único, do CPP, caberá impetração de habeas corpus ao TJ ou TRF.

Se na sentença a prisão preventiva é mantida e o sentenciado apela da decisão, passa o Tribunal local a ser o órgão jurisdicional competente para decidir pela custódia cautelar.

Via de consequência, caberá impetração de habeas corpus ao STJ. Por sua vez, quando mantida a condenação no âmbito de apelação e não tendo sido concedida liberdade até julgamento dos recursos especial e extraordinário, o STJ passa a ser o responsável pela prisão preventiva, pois se esgota a jurisdição das instâncias inferiores, de modo que será do Supremo a competência para examinar a legalidade da prisão cautelar.

Divergências de interpretação

Ou seja, criou-se imenso imbróglio interpretativo sobre as disposições do artigo 316 do CPP, tanto no âmbito do STJ quanto do STF, especialmente no que se refere à competência para revisão da medida, fato que, ao contrário das pretensões legislativas quando da implementação da referida garantia revisional, tem o potencial de não apenas aprofundar as ilegalidades perpetradas nos decretos cautelares, mantendo o encarceramento provisório injustificado, mas também de provocar uma enxurrada de habeas corpus e recurso em habeas corpus pelos Tribunais Superiores.

Os julgados acima colacionados são exemplos perfeitos de problemas observados na prática. Uma alteração legislativa cujo intuito era a proteção do preso provisório antes da formação da culpa tem sua implementação restringida pela jurisprudência das Cortes, via mecanismos redutores de sua aplicação, e cujo refluxo inevitável causará o que se pretendeu evitar: a multiplicação de habeas corpus nos tribunais de todo país.

  • Flávia Guth é ex-assessora de ministro do Superior Tribunal de Justiça, advogada fundadora do escritório Flávia Guth Advocacia, vice-presidente da Comissão do Direito de Defesa da OAB/DF, cofundadora da Associação Elas Pedem Vista e diretora do Instituto de Garantias Penais – IGP

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