O medo, o abraço e o consolo em tempos de pandemia
Quando bate o medo, sempre procuramos nossa referência de porto seguro, seja o amigo, o familiar ou o líder da nossa sociedade
Valdir Oliveira
atualizado
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O medo é uma sensação despertada pelo perigo, que muitas vezes é amenizado pelo abraço e o consolo. É isso o que fazemos com as pessoas que gostamos; afinal, amar é cuidar. Quando bate o medo, sempre procuramos nossa referência de porto seguro, seja o amigo, o familiar ou o líder da nossa sociedade. E deles esperamos a serenidade que nos mostre o caminho para a paz. Esse apoio é o que nos fará enfrentar o medo, superar desafios e vencer as batalhas.
Estamos vivendo um momento de pânico, por causa da pandemia. O desconhecido está fazendo adoecer a alma, porque não conseguimos medir os riscos que corremos com essa pandemia. A cada dia descobrimos amigos ou parentes infectados; uns reagem e vencem, outros padecem e outros morrem. E ficamos nos perguntando: quando será a nossa vez nessa roleta russa?
Esses dias estava ouvindo uma música que me trouxe a paz e o consolo do colo que protege, que cuida. Não é só o poema que nos faz refletir, nem a melodia que encanta, a interpretação é que dá vida a música.
Essa arte é para poucos. Ney Matogrosso é um dos nossos grandes intérpretes, senão o maior, que eu conheço. Em 1989, Ney interpretou a bela construção poética de Cazuza, a música Poema.
O compositor escreveu essa poesia para a avó. A letra mostra o medo de uma criança amortecido pelo colo de quem era a sua imagem de proteção, a avó. “E o medo era motivo de choro, desculpa pra um abraço ou um consolo”. A lembrança da acolhida de criança deixa na memória a força para vencer o medo: “Eu acordei com medo e procurei no escuro alguém com seu carinho e lembrei de um tempo, porque o passado me traz uma lembrança do tempo que eu era criança”.
Vencer barreiras
Quem teve o colo que acalenta traz na lembrança a força para vencer o medo e seguir a diante. O medo não pode nos paralisar. Precisamos enfrentar e vencer as barreiras para seguir a vida.
Constantemente nos deparamos com situações que nos impõem o medo. Uma forma de vencer essa barreira é ter determinação e focar na solução. O filme espanhol 100 metros mostra uma história de superação, na qual o medo da doença foi superado pela determinação de vencer os obstáculos da vida. Um publicitário é diagnosticado com esclerose múltipla e escuta, no início do seu tratamento, que em breve ele não conseguirá caminhar 100 metros.
O medo o fez impor um desafio para si mesmo: participar de uma prova de triathlon. Para vencer esse desafio, ele tinha que se unir ao sogro, um atleta derrotado, que precisava de novos desafios para renascer para a vida. Ele conviveu com um homem muito difícil, uma relação de desconforto mútuo, mas juntos poderiam alcançar uma conquista para ambos. Um ano depois Ramon Arroyo conseguiu vencer a barreira da doença e completou a prova de maior esforço físico do atletismo, nadando, pedalando e correndo.
Ramón não se entregou à doença; aprendeu a construir junto com quem não tinha sua afinidade, lutou e venceu o desafio de ultrapassar as barreiras. Difícil não se emocionar no final do filme, e também de não lembrar da interpretação de Ney: “Hoje eu acordei com medo, mas não chorei, nem reclamei abrigo”. Desistir, jamais!
Mais de 300 mil mortos
Já passamos de 300 mil mortos pela Covid-19 no Brasil. Ultrapassamos a marca de 3 mil mortos por dia de uma doença para a qual já há vacina. O pânico se instalou e nós não sabemos quem fará parte da lista de contaminados dos próximos dias. Não existe união entre os entes federados e a ideologização da pandemia transformou o vírus em disputa eleitoral, em vez de darmos prioridade para salvar vidas. Estão trocando os votos de 2022 pelas vidas de 2021. Triste Brasil.
No lugar de projetos conjuntos para combater o vírus e salvar a economia, estão mais preocupados em identificar culpados e justificativas. Os líderes trocaram a empatia pela ideologia. E os liderados ficaram perdidos, desgovernados, como um neto que procura chorando o colo dos avós e não encontra abraço e consolo. É esse o sentimento do brasileiro comum, aquele que espera do poder a sua proteção.
Mas as lembranças dos que nos protegeram não nos abandona e deles tiramos a força para resistir ao medo e avançar para vencer essa guerra. É só fechar os olhos, respirar fundo e relembrar da proteção já recebida em momentos de tensão, como o suspiro do poeta: “Senti um abraço forte, já não era medo, era uma coisa sua que ficou em mim”.
Assim como Ramón, devemos focar nos nossos 100 passos e pensar que podem ser 100 dias para a nossa imunização contra esse vírus. O colo, o abraço e o consolo tão bem retratado pelo poeta pode ser traduzido pelo líder empático, que está próximo, que sente a nossa dor e que mostra o caminho. O vácuo de liderança está aberto. Que venham os verdadeiros líderes, aqueles que não nos abandonam. São nas horas mais difíceis que sabemos quem são as nossas referências.
O colo que nos abriga é a energia que nos faz renascer. E às vezes, de quem menos esperamos. Não será o populismo que nos dará abraço e o consolo. Quando se tem um objetivo comum, as diferenças são esquecidas e se tornam barreiras superáveis, pois aqueles que querem caminhar juntos terão o acalento da proteção e a conquista dos desafios de completar uma prova que muitos consideram impossível, mas que a vida nos mostra que é factível.
É hora de os líderes esquecerem suas diferenças e formarem o exército do bem comum. Vencer é perfeitamente possível e juntos conseguiremos passar pelos momentos de tristeza, transformá-los em aprendizado e ver o renascer de uma esperança outrora esquecida, mas nunca apagada. A Covid será derrotada. Teremos nosso mundo e nossa vida de volta. Afinal, amanhã há de ser um novo dia.
Valdir Oliveira é superintendente do Sebrae no DF