metropoles.com

O ilegítimo protagonismo da Petrobras na crise dos combustíveis

Seja para controlar a inflação ou contornar crises, a decisão de a estatal reduzir ou conter o valor de derivados de petróleo não é legítima

Autor Priscilla Chater

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
JP RODRIGUES/ESPECIAL PARA METROPOLES
WhatsApp Image 2018-05-31 at 18.51.09
1 de 1 WhatsApp Image 2018-05-31 at 18.51.09 - Foto: JP RODRIGUES/ESPECIAL PARA METROPOLES

A Petrobras, novamente tomando para si a tarefa de acalmar os ânimos da população e contornar crises políticas, anunciou, no fim de maio, a redução do preço do óleo diesel. Uma decisão que obviamente não foi endossada pelos acionistas da estatal. Embora o ex-presidente da companhia Pedro Parente tenha afirmado não haver interferência do Palácio do Planalto, o histórico de atos interventivos no setor de combustíveis é inegável, a exemplo da fixação dos preços dos produtos derivados da cana-de-açúcar pelo extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) nas décadas de 1980 e 1990.

Como resultado da redução anunciada mês passado, o valor das ações da Petrobras despencou e até mesmo os manifestantes e seus apoiadores não se convenceram de que a solução é efetiva, muito menos confiável. Isso se dá, claramente, em razão da evidente politização da estatal e da contínua adoção de medidas extremas de controle que conflitam com o próprio texto Constitucional, segundo o qual intervenções do Estado no domínio econômico somente são permitidas em situações excepcionalíssimas.

Nesse ponto, vale destacar que a Lei do Petróleo nº 9.478/97, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, trata sobre a política energética nacional e as atividades relativas ao monopólio do petróleo, prevendo, expressamente, a liberalização do preço dos combustíveis, com o fim de subsídios, para igualá-lo ao do mercado externo.

Dessa forma, os preços deveriam ter sido totalmente liberados a partir do dia 1º de janeiro de 2002, superando todo o histórico de forte intervencionismo do Estado na comercialização de combustíveis. Entretanto, diferentemente do esperado, sobretudo no governo Dilma, o controle de preços não apenas prevaleceu como foi usado em seu extremo, enquanto mecanismo de controle artificial da inflação.

Os impactos do desalinhamento dos preços na Petrobras foram nefastos, o que a levou a perder o posto de maior empresa do país e, ainda, a possuir a maior dívida corporativa do mundo no setor petrolífero. Em decorrência disso, ao ser nomeado, em 1º de junho de 2016, o então presidente da Petrobras, Pedro Parente, comprometeu-se a balizá-los em conformidade com os valores praticados no mercado externo.

Seja para controlar a inflação ou para contornar uma crise evidentemente grave, a decisão de reduzir ou conter o valor do diesel ou de qualquer outro combustível, pela estatal, não é legítima. O controle informal dos preços, mediante empresa interposta, como historicamente tem acontecido, depende de ato normativo autorizativo e não há lei em sentido formal autorizando a fixação pela estatal (art. 84, IV, da Constituição Federal). Inexiste lei ordinária ou complementar, cuja competência é privativa do presidente da República, que legitime o ato.

Deve-se, portanto, resguardar a manutenção da atual política de preços da Petrobras, com variações diárias em decorrência da taxa de câmbio e do valor do petróleo no mercado internacional, até mesmo para que seja viabilizada a recuperação, pois o modelo intervencionista foi um verdadeiro fracasso

A população tem sido demasiadamente onerada. Não em razão da flutuação de preços em conformidade com o mercado externo, mas dos elevadíssimos tributos incidentes sobre os combustíveis, além da obrigatoriedade de a distribuição ser feita por intermediadoras. Empresas essas, muitas vezes, dispensáveis na cadeia de fornecimento do insumo, o que, inegavelmente, reflete no preço. Podemos citar como exemplo o etanol, que pode sair da destilaria ao custo de R$ 1,80 e ser vendido nas bombas pelo valor de aproximadamente R$ 3,60.

Evidentemente, não é de se estranhar que o Ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, assim como os representantes dos governos estaduais, sustentem não haver espaço para cortar impostos, diante da dificuldade de equilibrar as contas públicas. Mas, por outro lado, afastar a necessária adoção de medidas nesse sentido é confessar a incapacidade de reorganização tributária e orçamentária.

Vale destacar que os senadores Romero Jucá (MDB-RR) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentaram um Projeto de Resolução ao Senado (PRS nº 24/2018) que busca limitar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado sobre a gasolina, o álcool e o diesel. Entretanto, apenas limitar o percentual do ICMS e manter o valor da pauta (preço referencial, definido pela Secretaria da Fazenda do respectivo estado arrecadador), em completa dissonância com o mercado, é igualmente inócuo.

O valor de pauta deve expressar aquele efetivamente praticado, ou seja, deve ser real; não pode ter por base uma cifra alcançada unilateralmente pelos órgãos estaduais de arrecadação, divergente daquela aposta nas bombas.

Além disso, outra alternativa viável é redimensionar a receita e os gastos públicos, de modo a possibilitar a retirada da cobrança de PIS/Cofins, cuja base de cálculo atual também não se mostra a mais adequada, visto que o valor é fixado sem a observância da oscilação de preço.

Em meio à crise, algumas propostas merecem destaque, em virtude da evidente coerência e eficácia. Exemplo é a formalizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no sentido de defender a liberação da venda direta do etanol pelas usinas aos postos de combustíveis.

Tal proposição também é objeto de análise pela Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei nº 10.316/2018, de autoria do deputado federal Mendonça Filho, altera a redação da Lei do Petróleo para permitir a venda direta. Por sua vez, os projetos de Decreto Legislativo nº 916/2018, de autoria do deputado João Henrique Holanda Caldas (PSB/AL), e nº 955/2018, de Rogério Rosso (PSD/DF), visam à sustação do  artigo 6º da Resolução nº 43, de 22 de dezembro de 2009, da Agência Nacional de Petróleo (ANP), segundo o qual o fornecedor de etanol somente pode comercializá-lo com outro fornecedor cadastrado ou distribuidor autorizado pela ANP.

Além de estimular a concorrência, pois a comercialização pelas distribuidoras acaba tornando inviável a competição do etanol com a gasolina, tal mudança repercute no crescimento de um setor importantíssimo para o país, que vem sendo constantemente afetado pelas políticas de preços do governo federal e da Petrobras.

Enfim, é hora de repensar e criar novos modelos de tributação e concorrências, estabelecendo um planejamento eficiente e duradouro, que não comprometa a sustentabilidade do setor de combustíveis e a credibilidade dos investidores internos e externos.

 

Priscilla Chater é advogada e sócia do escritório Chater Advogados, em Brasília

 

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?