O Enem e os rumos da educação superior no Brasil
Número de inscritos é o menor dos últimos sete anos. No DF, a queda foi de quase 43% entre 2016 e 2018
Paulo Alberto dos Santos
atualizado
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Buscar as razões da queda no número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2018 pode ser a chave para entender parte do cenário atual da educação no Brasil e antever as transformações que serão observadas no mercado de profissões em um futuro próximo.
Neste ano, foram 5,513 milhões de inscritos, a menor quantidade desde 2011, bem abaixo da marca histórica de 8,760 milhões, registrada em 2014, conforme o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC). No Distrito Federal, a queda foi de quase 43% entre 2016 (185.574) e 2018 (106.309).
Ao menos quatro pontos são cruciais neste diagnóstico: maior rigidez na isenção da taxa de inscrição; aumento considerável no valor dessa cobrança; fim da certificação do ensino médio via Enem; e os efeitos da crise econômica na forma como o estudante passou a perceber o diploma de nível superior.
Em 2018, o MEC mudou as regras para isenção da taxa de inscrição, que passou a ser concedida antes do período de registro dos candidatos no exame, desencorajando parte dos estudantes a pagar o encargo do próprio bolso. De acordo com o ministério, a média nacional de abstenção no Enem foi de 32% em 2017, um desperdício de recursos públicos estimado em R$ 176 milhões.
Entre os que faltaram, 68,5% cumpriam os requisitos de isenção da taxa previstos na legislação, muitos deles reincidentes. Como os R$ 82 cobrados pela inscrição não cobrem, segundo o Inep, o custo operacional por candidato (R$ 92), o governo federal negou em 2018 a gratuidade para quem foi isento em 2017 e, ainda assim, não foi fazer as provas
Além disso, desde o ano passado, a nota do Enem não vale mais para certificação do ensino médio. Isso passou a ser feito via outro exame, voltado para jovens e adultos, o Encceja, que é gratuito e registrou, em sua segunda edição, mais de 1,339 milhão de inscritos.
Outra explicação para a queda no número de inscritos no Enem seria de ordem econômica. Afinal, mesmo com a crise da economia, o valor da taxa de inscrição sofre aumentos sucessivos, passando de R$ 35 para R$ 82 entre 2014 e 2017 (não houve reajuste em 2018). Mas essa tese não se sustenta, pois a quantidade de candidatos pagantes vem permanecendo estável nos últimos três anos, reforçando que a diminuição das inscrições a partir de 2016 tem incidido na parcela de candidatos não pagantes.
No quadro atual de instabilidade política no país, é comum ouvir rumores sobre redução de vagas ou mesmo extinção de programas de acesso à educação superior. Porém, de acordo com o MEC, entre 2015 e 2018, o número de oportunidades cresceu 13,7% no Sisu, 13,9% no Prouni e 61% no Fies.
Com o Brasil ainda tentando se recuperar de uma recessão histórica, desemprego na casa dos 12,7% e mais de 307 mil pessoas na informalidade, parece haver certo descrédito quanto à garantia de emprego estar vinculada à formação superior. A Pnad Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no entanto, mostra que a desocupação entre os portadores de diploma de nível superior é de 6,6%.
Nos últimos anos, o mercado de trabalho tem levado novos profissionais a atuarem em áreas diversas de suas graduações. Segundo o IBGE, 80% do 1 milhão de formandos em 2014 estudaram em apenas seis campos do conhecimento: comércio e administração; formação de professor e ciências da educação; saúde; direito; engenharia; e computação. Os cursos coincidem com algumas das profissões mais tradicionais, teoricamente as que são mais bem pagas e estáveis.
Há, entretanto, um descompasso entre as vagas na educação superior e os postos de trabalho. Levantamento do professor de economia Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo, revela que o setor de administração, responsável por 30% dos graduados de 2014, tinha no mercado de trabalho apenas 4,9% de trabalhadores com curso superior.
As demais vagas eram em funções que nem sempre exigiam a formação específica. Isso nos leva à seguinte conclusão: a falta de oportunidades concentra-se em áreas já saturadas
Isso nos obriga a olhar para frente. Ao que tudo indica, teremos, nos próximos anos: uma estabilização no número de interessados no ensino superior por meio dos programas públicos de acesso às universidades; a consolidação da garantia de que o diploma de graduação ajudará o indivíduo a enfrentar a crise de maneira menos turbulenta; e uma redefinição de oportunidades no mercado de trabalho, com a abertura de vagas em áreas menos convencionais e, sobretudo, o surgimento de novos cursos e carreiras.
Paulo Santos é professor de química em cursos do DF desde o ano 2000, com experiência em preparação de alunos para o vestibular, PAS, Enem e concursos diversos. Atualmente é coordenador-geral dos preparatórios da Rede Alub.