O dia após a definição do segundo turno das eleições de 2022
Não se muda um país apenas pela escolha de seus governantes
Walter José Faiad de Moura
atualizado
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Imaginemos, em exercício de futurologia, que estamos no dia após a definição do segundo turno das eleições gerais de 2022.
Muita energia foi gasta nas redes sociais e até fogos de artifício eu ouvi. Ressaca aqui e ali, tal qual final de campeonato de futebol.
No celular, os memes ainda lotam os grupos de WhatsApp. Alguns se empolgam em textões ou lições para julgar quem esteva certo ou errado.
Mas, aí eu pergunto, o que mudou nesta segunda-feira? Ainda estamos divididos ao meio: metade chora debalde enquanto a outra comemora e tripudia.
Aí que eu pergunto: por acaso nós acordamos sem o sistema presidencialista à brasileira? A Constituição Federal foi efetivada? A gestão pública se inovou? Congresso e Judiciário acordaram eficientes?
Em um rápido parênteses, pode ser que esta semana seja ocupada por contestações sobre a higidez do sistema eleitoral, mas, deixemos isso de lado por um dia.
Neste texto, o que eu quero saber de você, leitor, é o que mudou em você nesta segunda-feira após as eleições, independentemente do seu candidato escolhido?
Você mesmo, dono de um voto, que até ontem era especialista em agricultura, distribuição de riquezas, religião, ética pública e julgamentos do Supremo!
Essa intensa inserção, mesmo que virtual, no embate de ideias e programas políticos mudou sua postura dentro de casa, no trabalho e no seu meio social?
O ano de 2022 será sempre lembrado como um palco de ativa cidadania política eleitoral que, infelizmente, não se confunde com uma mudança comportamental.
Quarta-feira tem um feriado e o que faremos de bom? Um churrasco ou reformaremos a escola pública vizinha de nossa casa?
Entre evangélicos e maconheiros, quem de nós revolucionará a educação a partir de hoje?
Quem trocará uma postagem de Instagram pelo envio de uma proposta concreta ao deputado ou senador em que votou, obviamente acompanhando o que esse pleito gerou de efetivo (uma lei, uma denúncia apurada, uma medida fiscalizatória)?
Ou seja, o que estou a falar é: se ultrapassada a rinha política, que tal trocar o ímpeto de mudar o voto de seu vizinho para, junto a ele, vocês reformarem a calçada da rua ou o banco da praça?
Que tal abandonar o fetiche por dados econômicos da Europa e da terra do tio San para fiscalizar, organizada e ativamente, as políticas públicas de seu Estado natal?
Aos estudiosos, que tal trocarem a paixão colonizada por universidades estrangeiras e produzir conhecimento aplicado nos bancos das escolas de seu país?
Turista, não é estranho conhecer mais a Itália que a inigualável Santa Catarina? Correr atrás das Maldivas sem visitar toda a Bahia? Pior ainda, sonhar com o parque do Avatar tendo a Amazônia aqui do lado?
Parece que 2022 revigorou, na cabeça de cada um de nós, que o melhor a fazer para o Brasil seria não errar, errar menos ou deixar de piorar. Mas, será que esses comandos ideais são dirigidos apenas ao candidato eleito à Presidência?
Esse mesmo dilema foi enfrentado por países europeus, no pós-guerra, sob a encruzilhada de para onde iriam aquelas nações no restauro das democracias ocidentais.
O sociólogo Émile Durkein relata que a força e o acerto das nações do hemisfério norte ocorreu quando cada cidadão limitou seus ímpetos pessoais e cedeu a práticas coletivas e cooperativas, a partir da certeza de que não bastava julgar moralmente o Estado ou seu vizinho, senão se cada indivíduo passasse a contribuir concreta e conscientemente em prol do todo.
Portanto, se a pauta destas eleições foi melhorar o Brasil, lembre-se: não se muda um país apenas pela escolha de seus governantes.
Escrever um texto no celular ou adesivar um carro é uma manifestação ativa pelo direito livre de voto. E depois das eleições, isso tudo ficou ajustado?
Lógico que não! É aí que tudo começa, desde que eu e você passemos a agir diferentes. Caso contrário, mudam-se os governantes, mas a sua região, sua economia e seu País seguem na mesmice de um passado lamentável.
Acorde! O Brasil melhor que tanto esquerdistas e direitistas defendem, agora em 2022, não cairá de paraquedas no primeiro dia de 2023.
Alerto que só vamos partilhar uma nação mais justa quando nossas condutas individuais forem realmente coerentes com as bandeiras que hasteamos ontem, além de colocarmos esses predicados em prática coletiva, partilhada em família, no bairro, na cidade e no Estado, tudo para que este país colha as melhorias.
Saia de casa, hoje, e coloque todo seu discurso das redes sociais para funcionar. Respeite a fila, não suje a rua, atente-se às regras de trânsito, fiscalize os gastos de seus gestores e denuncie práticas comerciais ou políticas sabidamente erradas. Enfim, dê seu melhor.
Imaginemos, então, em um exercício de futurologia, que independentemente de quem escolhermos na urna, 2023 será o começo de um Brasil melhor! Mãos à obra!
- Walter José Faiad de Moura é presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB Nacional e advogado do Idec, em Brasília.