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O bloqueio contra Cuba tem que acabar (por José Dirceu)

São 64 anos de embargo, que virou bloqueio por envolver outros países. Cuba tem dificuldade de acesso a crédito e de comprar insumos

Autor José Dirceu

atualizado

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AGÊNCIA LUSA
Imagem colorida mostra a bandeira de Cuba
1 de 1 Imagem colorida mostra a bandeira de Cuba - Foto: AGÊNCIA LUSA

A repercussão do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos a Cuba é tão avassaladora que, se o embargo fosse suspenso, em nove meses de operações comerciais cotidianas seriam gerados recursos para acabar com o déficit habitacional no país, que precisa construir 467 mil moradias ao custo de US$ 3,9 bilhões.

Oito meses de embargo equivaleriam a recursos suficientes para garantir a compra de 14 mil ônibus e 12.200  carros e micro-ônibus, necessários para modernizar o transporte público do país, que usa veículos velhos e em número insuficiente que precisam ser substituídos.

Mais um exemplo: apenas 38 horas sem bloqueio garantiriam os US$ 21,78 milhões que Cuba está investindo este ano em educação.

Estes exemplos, publicados em um suplemento especial do jornal cubano Granma, procuram chamar a atenção dos demais países para o impacto do bloqueio na economia cubana, que enfrenta grandes dificuldades nos últimos anos, especialmente após o governo Trump ter retomado, em 2019, as medidas restritivas – e algumas foram até ampliadas – em relação ao comércio e viagens que tinham sido abrandadas no governo Obama. Há uma redução na atividade econômica, com queda na produção industrial e de alimentos.

Em função desse cenário de retração econômica e bloqueio, o país enfrenta escassez de itens essenciais, como energia, medicamentos e alimentos. A partir de19 de outubro, o país voltou a viver apagões, quando sua maior usina de energia foi desligada deixando 10 milhões de pessoas no escuro.

O sistema foi reativado mas novas quedas se sucederam em função das deficiências no sistema de manutenção pelas dificuldades de compra de peças de reposição decorrentes do bloqueio econômico que também cria barreiras intransponíveis ao acesso ao crédito e à compra de petróleo, só possível graças à solidariedade de países como Rússia e Venezuela.

Para contornar a crie energética e substituir a atual matriz, baseada no petróleo, por um modelo sustentado em fontes renováveis, a China doou a Cuba uma usina solar, no valor de 107 milhões de euros, que deverá ser seguida de doações de outras usinas.

Na área de medicamentos, faltam 51% das 651 linhas que compõem o Quadro Básico de Medicamentos do Sistema Nacional de Saúde. O protocolo nacional está organizado para garantir um estoque de 120 dias para cobrir a demanda do país, mas a cobertura foi reduzida para 30 dias.

Como consequência, o mercado informal entrou em ação, elevando os preços dos remédios que não podem ser pagos pela maioria da população.

Mas faltam medicamentos em Cuba não apenas porque o país está sem divisas. Também há escassez de alguns fármacos, como a toxina botulínica, entre outros, porque são produzidos por laboratórios estadunidenses que não podem vender para Cuba, um país que já produziu 13 vacinas, entre elas uma contra a Covid-19 cuja efetividade foi comprovada. E que tem excelência em áreas da biotecnologia.

É bem verdade que nem todos os problemas da ilha são decorrentes do embargo econômico dos Estados Unidos, que começou logo depois da revolução cubana, em outubro de 1960, envolvendo todo tipo de exportação/importação, à exceção de alimentos e remédios. Em 1962, as exceções foram incluídas.

Para Cuba e muitos países que defendem a suspensão do bloqueio econômico contra a ilha, o que os Estados Unidos impuseram e impõem à Cuba não é um embargo porque não se limita à suspensão do comércio bilateral entre os dois países.

As medidas são de tal ordem que acabam por prejudicar os laços econômicos e comerciais de Cuba com vários países do mundo. Há vários relatos de autoridades cubanas sobre as limitações enfrentadas pelo país para ter acesso a créditos, para atrair capital, para realizar pagamentos e para cobrar por produtos e serviços.

E há reflexos até sobre o turista que visita Cuba. Os Estados Unidos passaram, em anos recentes, a dificultar o visto de entrada para europeus e canadenses que tenham carimbo do governo cubano em seu passaporte.

Os efeitos da pandemia, somados às dificuldades econômicas enfrentadas por Cuba, levaram a uma queda de 44% entre os anos 2019 e 2023 no número de visitantes internacionais procedentes dos sete principais países da União Europeia: em 2019, 730 mil turistas oriundos desses países viajaram a Cuba; em 2023, o número caiu para 324 mil.

A manutenção dos hotéis e pousadas de Cuba na relação de Alojamentos Proibidos do Departamento de Estado dos EUA e na Lista das Entidades Cubanas com Restrições não ajuda a melhorar a situação.

Medidas necessárias

O presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel Bermúdez, comemorou a solidariedade de vários países à ilha contra o embargo econômico dos Estados Unidos, durante a Assembleia Geral da ONU, realizada no final de setembro, em Nova York. Sua expectativa é que, mais uma vez, talvez no final deste mês, a ONU vote, pela 32a vez, resolução condenando o bloqueio de Cuba. Desde 1992, quando a resolução foi aprovada pela primeira vez, só os Estados Unidos e Israel votaram contra.

A cada ano, torna-se mais urgente suspender o bloqueio econômico, que impede o desenvolvimento de Cuba, limita suas possibilidades de parcerias com outros países, afasta investimentos. Não há dúvida de que se trata de um bloqueio criminoso, que afeta todo o povo cubano.

Do ponto de vista legal, a maioria das mudanças necessárias para levantar o bloqueio contra Cuba depende de medidas a serem adotadas pelo presidente dos Estados Unidos. Entre elas, destaco:

1. Tirar Cuba da lista de estados patrocinadores de terrorismo, que é elaborada pelo Departamento de Estado. No governo Obama,  em 2015, Cuba saiu da lista e foi reincluída por Trump, em 2021.

2. Suspender a política de perseguição financeira contra Cuba, incluindo a relacionada com a venda de combustível ao país.

3. Alterar o limite de 10% de componentes estadunidenses nos bens que Cuba pode importar de qualquer país do mundo.

4. Instruir os representantes dos EUA nas instituições financeiras internacionais para que não bloqueiem a concessão de crédito e outras facilidades financeiras a Cuba.

5. Possibilitar a entidades cubanas, incluindo bancos e empresas, abrir contas em bancos nos EUA.

6. Autorizar a importação, pelos EUA, de qualquer produto, fabricado ou derivado de produtos cultivados, produzidos ou manufaturados em Cuba por empresas estatais (níquel, açúcar, tabaco, rum e outros).

7. Permitir a exportação a Cuba de insumos e equipamentos médicos que possam ser utilizados na fabricação de produtos biotecnológicos cubanos; e de matéria-prima para a produção de medicamentos.

8. Flexibilizar a política de licenças para a inversão de companhias estadunidenses em Cuba.

9. Permitir formas mais amplas de colaboração, comercialização e administração de medicamentos e produtos biomédicos de origem cubana, por exemplo, através de inversões diretas de companhias estadunidenses e empresas mistas.

10. Autorizar cidadãos estadunidenses a receber tratamento médico em Cuba.

Certamente, avançar nesse elenco de propostas depende da evolução da negociação entre os dois países em um momento em que o mundo enfrenta dois sérios conflitos – Israel e a guerra no Oriente Médio, e a guerra entre Ucrânia/Otan e Rússia –, e os Estados Unidos estão envolvidos em eleições presidenciais.

Mas é inexorável que esse bloqueio termine. Ele já dura 64 anos. Todos os países, a exceção dos Estados Unidos e de Israel, que é seu satélite, são contra. A pressão internacional vai acabar contando. E Cuba é resiliente. Seu povo é resiliente. A frase do presidente Diaz-Canel resume esse espírito: “Um dia vamos superar o bloqueio. Quantos serão capazes de fazê-lo?”.

  • José Dirceu é ex-ministro-chefe da Casa Civil, ex-deputado federal e ex-deputado estadual pelo estado de São Paulo

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