Negação da pandemia, cuidado com a alma e vacina da solidariedade
Enquanto não tivermos a imunização de grande parte da população, não teremos a garantia de vida
Valdir Oliveira
atualizado
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Esses dias, assisti ao filme 93 dias. Baseado em uma história real, o filme narra o surto de ebola ocorrido em 2014, na Nigéria. O título se refere ao tempo que durou o surto. O vírus entrou na cidade de Lagos, uma metrópole com mais de 23 milhões de habitantes, por meio de um advogado, que estava em missão diplomática. O viajante já chegou com sintomas e foi direto para uma clínica pública.
Apesar de negar sua condição de doente e da pressão diplomática para liberá-lo, os profissionais de saúde resolveram isolar o paciente e o hospital de forma rigorosa, mesmo sem ter os resultados dos exames que confirmariam o contágio.
Assim, evitaram uma tragédia que iria acontecer com a disseminação do vírus através da chamada transmissão comunitária. Esses profissionais de saúde pagaram com a própria vida, mas salvaram a humanidade de uma epidemia de ebola.
Assim como no filme, estamos vivendo uma pandemia provocada por um vírus que entrou no Brasil, também por viajantes. Mas, ao contrário do roteiro, aqui se alastrou de forma generalizada. Após o primeiro ano de luta, enquanto se desvendava o vírus, protocolos foram sendo criados. Mas a mutação do vírus o tornou mais agressivo e muito contagioso.
A doença requer atendimento hospitalar com equipamentos que, hoje, temos disponíveis em quantidade limitada. Nosso sistema de saúde, com as suas mazelas conhecidas de longa data, não consegue absorver a grande massa de pessoas que precisam desse atendimento. Perder vidas por uma ação desse vírus é uma tragédia dolorosa para todos, mas por falta de atendimento será imperdoável.
Todavia, mesmo com as recomendações científicas e a ampla divulgação pela mídia sobre os riscos de contaminação, parte da população se mantém omissa. Em festas e aglomerações, sem os cuidados do uso de máscaras e distanciamento, propiciam a contaminação desenfreada que atinge a todos indiscriminadamente, inclusive aqueles que seguem os protocolos de segurança.
Faltam a muitos brasileiros o que teve de sobra nos profissionais de saúde da Nigéria no combate ao surto de Ebola: responsabilidade e solidariedade. A ausência de consciência de quem nega a existência do vírus mostra a insensatez humana dos que optam pelo desrespeito. Seres sem humanidade, sem empatia e sem espiritualidade.
Essa pandemia traz lições que vão além da ciência. A solidariedade tem sido o grande ensinamento que muitos se recusam a aprender. Não é só o corpo que está adoecendo, a alma também padece de tratamento e a espiritualidade tem sido a válvula de escape para os cuidados que vão além das mazelas do corpo.
Em 1980, Gilberto Gil falava que “se eu quiser falar com Deus, tenho que ficar a sós”. Inspirado, Gil não titubeou em dizer que para falar com Deus “tenho que encontrar a paz”. O espírito requer cuidados, não tenho dúvida, e Deus, para os que como eu acreditam em sua existência, é o caminho.
Lockdown no Distrito Federal
A discussão sobre a exclusão das igrejas e templos no lockdown no Distrito Federal permeou as redes sociais. O momento exige ainda mais cuidado porque nosso sistema de saúde praticamente colapsou com o crescimento das taxas de contágio. Nesse contexto se insere o cuidado da alma. Gil trouxe uma reflexão importante de como podemos nos comunicar com Deus.
Mostrou que, em sua onipresença, Ele pode ser encontrado em todos os locais e, muitas vezes, em pequenos atos do seu cotidiano. Para falar com Deus, diz a canção “tenho que apagar a luz, tenho que calar a voz”.
Gil nos ensina que não importa o lugar, nem o momento, para estar com Deus, apenas a disposição e a vontade de encontrá-lo. Em sua bondade, Deus não exige o risco da contaminação para adorá-lo, pois essa pode ser uma conversa de apenas dois.
A única forma eficaz de combater o vírus é a vacina. Enquanto não tivermos a imunização de grande parte da população, não teremos a garantia de vida.
Até lá, apesar de vários remédios, procedimentos e protocolos, a solidariedade e a consciência são tudo o que poderá nos salvar coletivamente. Se não formos solidários, com sacrifício dos próprios interesses pelo bem de todos, não sobreviveremos a essa pandemia.
Gilberto Gil exalta que, para falar com Deus, “tenho que aceitar a dor, tenho que comer o pão que o diabo amassou”. Não será negando a existência e os perigos do vírus que venceremos essa guerra. A inspiração divina tem seus instrumentos para nos mostrar o que devemos fazer. Deus está tentando nos ensinar. Precisamos, com urgência, aprender.
- Valdir Oliveira é superintendente do Sebrae-DF e ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do DF