Não basta ter lei anticorrupção. É preciso fiscalizar
Norma distrital obriga implantação de Programa de Integridade nas empresas, mas é preciso que a sociedade esteja atenta ao seu cumprimento
Claudio Coelho de Souza Timm
atualizado
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No dia 8 de março, entrou em vigor a Lei nº 6.112/2018, que obriga a implantação de Programa de Integridade nas empresas, organizações não governamentais (ONGs) e outras entidades privadas que contratarem com a administração pública do Distrito Federal. Com a nova norma, o GDF pretende prevenir ou, ao menos, minimizar atos de corrupção no relacionamento de entidades privadas com o poder público.
Ao adotar o programa, as empresas incorporam ações para evitar ilícitos, criando uma cultura interna contra a corrupção e adotando elementos para limitar a duração e extensão de eventuais irregularidades.Essa nova lei distrital está em linha com a legislação anticorrupção federal (Lei nº 12.846/2013 e Decreto nº 8.420/2015), que prevê a responsabilização de pessoas jurídicas que praticam atos lesivos contra a administração pública. A norma já se aplicava a contratos celebrados com o GDF, sem, no entanto, prever a efetiva obrigação por parte das entidades de implantar tais práticas de integridade.
A referida lei definiu parâmetros e orientações sobre o tema, mas não foi ao ponto de exigir expressamente a implantação de programas de integridade. Apesar disso, previu benefícios para quem já os adotasse, possibilitando a atenuação de possíveis penas no cometimento de infrações.
A lei distrital, por sua vez, trouxe a obrigação de implantação do programa e criou uma sanção específica para a entidade que não a cumprir, na forma de uma multa diária de 0,1% do valor atualizado do contrato, limitada a 10% do valor do contrato.
O DF é a segunda unidade da Federação a adotar regionalmente o compliance como obrigatoriedade nas relações contratuais entre estado e pessoas jurídicas. O estado do Rio de Janeiro foi o primeiro a exigi-lo, também com previsão de multa similar, caso a instituição não atenda a determinação (Lei Estadual nº 7.753, de 17/10/2017).
Essa imposição, de acordo com a lei distrital, aplica-se apenas a contratos com valor igual ou superior a R$ 80 mil, para compras e serviços em geral, e R$ 150 mil para obras e serviços de engenharia, e com prazo igual ou superior a 180 dias. Nesses casos, os contratos são mais complexos e vultosos e poderia haver uma maior tendência, um apetite maior para integrantes das entidades privadas cometerem irregularidades.
Por outro lado, a lei exigir a implantação de programas por entidades privadas (inclusive ONGs) que têm contratos ou acordos mais simples com o GDF poderia representar um custo muito alto para essas instituições, inviabilizando parcerias delas com o governo em projetos menos complexos.
Um programa de Compliance de qualidade deve atender os 16 parâmetros listados no artigo 6º da Lei Distrital nº 6.112/2018. Destaque para pontos como: comprometimento da alta direção da pessoa jurídica; padrões de conduta, códigos de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores e estendidos a terceiros, tais como fornecedores e prestadores de serviços; treinamentos periódicos; análise periódica de riscos; registros contábeis e controles internos que assegurem relatórios e demonstrações financeiras confiáveis; procedimentos para prevenir fraudes e ilícitos em processos licitatórios, execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público; independência, estrutura e autoridade do responsável interno pela aplicação do programa e pela fiscalização do seu cumprimento; canais de denúncia; medidas disciplinares em caso de violação do programa; e monitoramento contínuo.
A entidade privada que segue essas orientações ganha respaldo e pode detectar mais facilmente um ilícito, notificar as autoridades competentes e procurar negociar medidas de remediação, como acordos de leniência, colaborações premiadas de indivíduos e indenizações, conforme o caso.
Considerando a gravidade e a extensão de tantos atos ilícitos praticados contra a administração pública no país, como os apurados pelas diversas operações realizadas pela Polícia Federal e pelas polícias civis estaduais e distrital, é inegável que a cultura da população brasileira no trato com a coisa pública está passando por uma transformação.
Entretanto, ao contrário da descrença de que o Brasil não conseguirá atingir níveis avançados de compliance em pouco tempo, as leis sobre o tema podem ser um catalisador na modificação da cultura. A título de comparação, vale lembrar que a aprovação da lei distrital das faixas de pedestres ajudou a mudança da cultura de respeito às faixas pelos motoristas.
É claro que não basta a edição da regra, é necessário que se fiscalize de forma efetiva e eficiente o cumprimento da lei. E cabe a toda sociedade essa cobrança.
Claudio Coelho de Souza Timm, sócio de TozziniFreire Advogados nas áreas de Direito Empresarial, Administrativo e Relações Governamentais, mestre em Regulação Financeira e do Mercado de Capitais (LL.M.) pela Universidade de Georgetown, EUA, e Certified Compliance and Ethics Professional (CCEP) pela Society of Corporate Compliance and Ethics (SCCE)