Mosquito da discórdia. Governador e vice estão em pé de guerra, mas a vitória é da mosca azul
O Palácio do Buriti se transformou em ringue para Rodrigo Rollemberg e Renato Santana. Suposta maquiagem de cenário durante ação contra a dengue apenas acirrou os ânimos entre os dois
EDITORIAL
atualizado
Compartilhar notícia
Em “Homeland” — destas séries do Netflix que a gente toma apego —, um dos personagens aborda o filho adolescente no momento em que o garoto estuda para uma prova de história. “Você sabe quem foi o vice-presidente dos Estados Unidos deste período?” Encabulado, o menino responde que não. Na trama, o autor da pergunta faz justamente o papel de vice-presidente dos EUA: “Não se preocupe, meu filho, ninguém se lembra do vice”.
A ficção sugere a realidade. Mas seria exagero dizer que as pessoas não se lembram de Marco Maciel, o vice de FHC. Ou que esqueceram de José Alencar, o substituto de Lula. E ainda, ai Jesus, como é mesmo o nome do mineiro topetudo, o do “escândalo” da calcinha, alçado à Presidência com o impeachment do Collor? Sim, claro, Itamar Franco. Todos memoráveis, óbvio. E com uma característica em comum. Marco Maciel poderia figurar como o abre-alas dessa turma. Terminou o governo reconhecidíssimo por ser… discreto.Do alto de seu vice-protagonismo, Michel Temer, o substituto da vez, resolveu, no fim do ano passado, colocar a pena na ferida e registrar, numa carta endereçada ao Palácio do Planalto, o sentimento que assalta os suplentes: “Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo”. Mas seu desabafo acabou catalogado entre as correspondências “mimimi”. O assunto morreu e o vice se recolheu.
A prerrogativa da crise de identidade não é só para vice-presidente da República. Os vice-governadores também experimentam essa sensação que, por vezes, os levam a questionar seu papel no mundo.
E, assim entramos no Distrito Federal. A mais recente crise do GDF é política e atinge os ventrículos direito e esquerdo do coração do governo, representados aqui pelo governador, Rodrigo Rollemberg (PSB), e seu vice, Renato Santana (PSD).
Os dois estão em pé de guerra. Não é de hoje que o vice Santana incomoda o titular Rollemberg. Santana não se conforma com o anonimato, parece não se encaixar no papel de coadjuvante e tem demonstrado certa habilidade em pegar no pesado. Ah, sim, ele é atrevido e não leva desaforo para casa. Uma combinação explosiva para o que se espera do pacato posto de vice.
No dia em que perdeu sua cunhada, vítima fatal de dengue hemorrágica, Santana botou a boca no trombone. Sem vestir a carapuça de autoridade, insinuou que a burocracia havia contribuído para a morte de sua parente. Rollemberg se sentiu atacado. Claro que se sentiu. E revidou tão logo enxergou a oportunidade.
Maquiagem
No sábado (13), Rollemberg estava de folga, fora de Brasília. Santana ficou no exercício do poder. A equipe de cerimonial do Buriti foi quem organizou um evento em Brazlândia para marcar a força-tarefa de autoridades locais e federais no trabalho de combate ao mosquito da dengue. A solenidade teve a presença ilustre do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
Colhia Santana os louros da agenda badalada até que surgiu a denúncia de que a cena do perigo iminente — pneus amontoados no meio da rua em um bairro de Brazlândia — era forjada. Aí começou a rebordosa. Rollemberg abriu procedimento para investigar o caso. E Santana revidou: “Tenho a impressão de que trabalhar incomoda, sobretudo preguiçoso.” Não é preciso a perspicácia de Sherlock Holmes para pressupor a quem o vice queria atacar.
Foi a vez de Rollemberg desferir seu golpe. Deixou vazar que a autoria da maquiagem no dia do evento, em Brazlândia, já tem RG e CPF conhecidos. A iniciativa teria partido de um assessor de Santana. Espirrou sangue cenográfico para todo o lado.
Dizem que Rollemberg e Santana brigam para ver quem aparece mais. Senhores, se for esse o motivo, não se matem, por gentileza. Com tanta coisa por fazer no DF, não vai faltar serviço, nem se as tarefas fossem distribuídas entre uma dúzia de governadores.
Aliás, desvendar quem plantou os pneus na cena “do crime” talvez seja a mais tola das respostas que o governo poderia oferecer aos cidadãos neste momento.
Queremos saber, com a mesma agilidade do desfecho no episódio dos pneus, por que o GDF diminuiu os investimentos para conter doenças como a dengue? Como o governo vai superar a crise na Segurança Pública (que acaba de deixar escapar dez detentos perigosíssimos de seu sistema)? Quanto tempo mais teremos de lidar com este transporte ineficiente que abastece a capital da República? Alguém, por favor?