Lula vai fazer campanha de dentro da prisão? Veja as hipóteses legais
Com a condenação do ex-presidente Lula, confirmada em segundo grau, mais um cenário se desdobra e nos coloca a refletir sobre quais serão as suas consequências. A reflexão aqui se dá, especificamente, sob o aspecto do direito eleitoral. A LC 64/90 (Lei das Inelegibilidades, com as alterações trazidas pela LC 135/2010, Lei da Ficha Limpa) […]
Savio Chalita
atualizado
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Com a condenação do ex-presidente Lula, confirmada em segundo grau, mais um cenário se desdobra e nos coloca a refletir sobre quais serão as suas consequências. A reflexão aqui se dá, especificamente, sob o aspecto do direito eleitoral.
A LC 64/90 (Lei das Inelegibilidades, com as alterações trazidas pela LC 135/2010, Lei da Ficha Limpa) traz as chamadas hipóteses legais de inelegibilidade. Isto pelo fato de possuirmos hipóteses constitucionais (art. 14, §§4° ao 8°, além da norma de eficácia limitada contida no §9°do mesmo dispositivo constitucional).
Importa mencionar que tal inelegibilidade não possui aplicação automática, como muito se fala. Dependerá, necessariamente, de ser reconhecida pelo Tribunal Superior Eleitoral, por força do que nos indica o §10, art. 11, Lei das Eleições (Lei 9.504/97).
O momento adequado será após a realização do pedido de registro de candidatura pelo ex-presidente, especialmente pelas impugnações que certamente serão apresentadas pelos legitimados (demais candidatos à Presidência, partidos políticos, coligações e o próprio Ministério Público Eleitoral – que, no caso, terá como protagonista a procuradora-Geral da República, fazendo as vezes de procuradora-Geral Eleitoral).
No entanto, o ex-presidente, indubitavelmente, poderá requerer o registro de sua candidatura após ser escolhido em convenção partidária (pelo que nos parece, não terá dificuldades em sair vitorioso nesta fase). O registro deve obrigatoriamente ocorrer entre 20 de julho e 5 de agosto deste ano.
Breve paralelo, em intento de esclarecer, é quanto à diferença da condenação confirmada em segundo grau, ensejando a inelegibilidade, e a própria condenação em suspensão dos direitos políticos.
No primeiro caso, analisado aqui, é suficiente a confirmação condenatória por órgão colegiado, dispensando-se o trânsito em julgado e atingindo tão somente o exercício dos direitos políticos passivos (ou seja, de candidatar-se para cargos públicos eletivos). No segundo caso, da suspensão dos direitos políticos, implica em necessária verificação do trânsito em julgado. Situação muito mais ampla do que a primeira, já que atinge não só o exercício dos direitos políticos passivos como também os ativos (o direito de votar, de ser votado, de responder às consultas populares – plebiscitos e referendos –, de subscrever projetos de leis de iniciativa popular, etc).
Ou seja, em desfavor do ex-presidente, temos a inelegibilidade infraconstitucional (hipótese legal) já indicada e também a suspensão dos direitos políticos pelo prazo indicado na condenação, que apenas encontrariam início de prazo após o trânsito em julgado da questão em seara criminal.
Imaginando um cenário onde o TSE, hipoteticamente, reconheça a inelegibilidade de Lula, teríamos, ainda, a possibilidade do manejo de recursos à própria Corte eleitoral ou ao Supremo Tribunal Federal (na arguição de questões constitucionais). Nesse caso, efeito traria o disposto no art. 16-A, Lei das Eleições, que esclarece: “o candidato cujo registro esteja sub júdice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”.
Isso nos garante afirmar, por exemplo, que poderemos ter um candidato preso em plena atuação em campanha eleitoral, respeitadas as limitações físicas de sua constrição de liberdade.
Por outro lado, outras situações poderão ocorrer. Imaginando que o ex presidente, ainda que sub judice (situação do seu pedido de registro ainda pendente de julgamento definitivo) venha a vencer o pleito eleitoral em primeiro turno e posteriormente venha a ter o registro indeferido, teríamos uma consequência inédita em termos de eleições presidenciais – isso já ocorreu em eleições estaduais e de inúmeros municípios.
A reforma de 2015 trouxe a orientação de que nesta situação, sendo indeferido pela justiça eleitoral o registro de candidato eleito em pleito majoritário, teríamos a necessidade de convocação de novas eleições.
Há outro desfecho que traria enorme reflexo quanto ao clamor público e a uma interpretação forçada. Trata-se do art. 26-A da LC 64/90. Dispõe sobre a possibilidade de o TSE, ao apreciar recurso ante o indeferimento do registro requerido, suspender em caráter cautelar a inelegibilidade desde que haja plausibilidade na pretensão do recurso (isso é de grande subjetividade).
Por fim, e não menos importante, um cenário que pode também ser trilhado tem amparo no §3°, art. 13, Lei das Eleições, possibilitando a substituição de candidatos que tenham sido reconhecidos inelegíveis até 20 dias antes do pleito. Teríamos então situação onde o candidato poderia realizar todos os atos de campanha e, ao final, percebendo não existirem chances de êxito quanto ao deferimento do pedido de seu registro, proceder com a substituição nos termos da legislação vigente.
*Savio Chalita é advogado, mestre em Direito, professor universitário e do CPJUR (Centro Preparatório Jurídico) nas disciplinas de Direito Eleitoral, Constitucional e Ética Profissional