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Liminar da “Cura Gay”: um problema ético ou de interpretação de texto?

Em decisão liminar, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho impôs novas interpretações à Resolução N.º 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia

Autor Larissa Vasques Tavira

atualizado

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Young man sad and depressed sitting alone behind the sunblinds
1 de 1 Young man sad and depressed sitting alone behind the sunblinds - Foto: iStock

Em decisão liminar, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho impôs novas interpretações à Resolução N.º 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), normativa que estabelece parâmetros de atuação para psicólogos em relação às homossexualidades. Desde então, muita coisa tem-se dito sobre isso.

A notícia se popularizou nas redes sociais sob o alarde da possibilidade de se ofertar legalmente uma “cura gay”. Num cenário de muitas piadas e manifestações de repúdio à decisão judicial, há também quem acuse o movimento LGBT e simpatizantes de histeria ou dificuldades de interpretação da liminar, uma vez que esta não faz referência direta aos termos “doença”, “cura” ou “reorientação sexual”. O texto, em termos técnicos, abre a possibilidade de serem ofertados tratamentos para homossexuais egodistônicos, aqueles que não se sentem confortáveis frente ao desejo homoafetivo. Mas, afinal, o que há de tão problemático nisso?

A resposta é: quase tudo. Um dos perigos dessa liminar mora na alegação de visar à liberdade científica, como se a atuação dos psicólogos já não estivesse norteada por princípios éticos que garantissem a necessidade de fazer uso de técnicas validadas pela ciência. Chama a atenção nesse contexto que a pessoa por detrás da ação seja Rozângela Alves Justino, psicóloga evangélica que já forneceu depoimentos públicos de que ser homossexual era errado e que afirmou ter uma técnica de reversão sexual.

Rozângela não possui perfil de pesquisadora acadêmica; sequer tem currículo Lattes e não está amparada pela ciência. Ela tem ampla liberdade, como religiosa, de fornecer tais tratamentos. Contudo, enquanto psicóloga, é vedada. Não se trata de mera censura. A profissional já foi advertida e punida diversas vezes, fator que a fez apelar para o âmbito do direito.

Usando o princípio de liberdade garantido pela Constituição, contra a determinação do Conselho de Psicologia, ela conseguiu uma brecha jurídica para esses tratamentos. Do ponto de vista técnico, um pesquisador interessado no tema não pode simplesmente empreender suas atividades em cobaias sem que haja aprovação por um comitê de ética em pesquisa. O filme “O Jogo da Imitação” revela a tragédia vivida por Alan Turing ao ter passado por uma dessas tentativas de reversão da sexualidade (spoiler: ele se matou).

Historicamente, essas tentativas não se mostraram eficazes; pelo contrário, o máximo que se tem obtido é a diminuição da libido e a castidade. Paga-se um preço muito caro para o recalque da sexualidade. A demanda de homossexuais egodistônicos de fato existe, contudo deve ser analisada com cuidado frente ao contexto de vida de LGBT’s no Brasil, país líder no ranking de assassinatos dessa população.

Essa liminar está pautada em uma total ignorância do que venha a ser a prática psicológica, partindo de um princípio mercadológico como se o profissional fosse obrigado a atender os desejos dos pacientes de forma cega. Enquanto discutimos se a liminar compreende um problema ético ou hermenêutico, suas consequências nefastas se alastram.

Uma adolescente lésbica foi ofendida por colegas de sua escola que lhe diziam que ela já podia se tratar. Em um hospital, um jovem de 14 anos fora buscar cura para sua homossexualidade. Esses foram casos que chegaram até mim e que revelam as vítimas mais vulneráveis dessas práticas: jovens em processo de reconhecimento de suas orientações sexuais. Essa decisão judicial, se for cassada ou não, já cumpriu seu papel sem precisar citar em momento algum os termos “doença” ou “cura gay”.

*Larissa Vasques Tavira é membra da Comissão Especial LGBT do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) e atua como psicóloga do Centro de Referência em Direitos Humanos do Distrito Federal (CRDH/DF).

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