Liberdade x Privacidade: o duelo entre as Big Techs e o Estado
É preciso fortalecer e regular as redes sociais, sim. Mas nenhuma regulação pode ferir o direito à liberdade de expressão
Bruno Fraga*
atualizado
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O artigo 5º, inciso IV, parágrafo IV da constituição é claro ao dizer que “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Com essa frase, me arrisco a esclarecer o embate recente envolvendo o Empresário Elon Musk e o Ministro do Superior Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
Quando a Constituição foi promulgada, lá em 1988, quando a internet ainda estava começando a dar seus primeiros passos, esse artigo 5º foi muito comemorado. Afinal, ele diz que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Inclusive, foi ali que também foi vetada qualquer forma de censura.
Mas e quando uma pessoa decide usar suas redes sociais para atacar a intimidade, a honra e a vida privada de outra pessoa?
Bem, também temos a lei que nos protege. Em casos de calúnia, difamação e injúria, é assegurado o direito à indenização, tanto por dano material, quanto por dano moral, que é recorrente do abuso da liberdade de expressão.
Como podemos ver, nos é dado a liberdade de falarmos o que quiser, e de quem quiser nas redes sociais, independente se esse é um discurso de ódio ou não. No entanto, toda ação tem sua reação.
Se eu decido expor outra pessoa, caluniando-a, tenho que arcar com as consequências perante a lei, e pagar uma boa indenização nesse caso. Mas e se eu usar um perfil falso para caluniar alguém? Bem, aí é uma infração que fere direto o artigo 5º, uma vez que a liberdade de pensamento é permitida, mas é vedado o anonimato.
E esse anonimato realmente é perigoso, afinal, criminosos digitais se escondem atrás de perfis falsos, e nós que trabalhamos com cibersegurança, estamos constantemente em busca de derrubar esses perfis.
Onde eu quero chegar com isso?
Que é preciso fortalecer e regular as redes sociais, sim. Mas nenhuma regulação pode ferir o direito à liberdade de expressão.
Portanto, ao considerar uma plataforma com milhões de seguidores, é praticamente impossível, ou até mesmo utópico, querer que ela seja responsabilizada pelo conteúdo que foi publicado por outra pessoa.
É isso o que determina a fronteira entre um regime democrático e um autocrático. Ou seja, frear e silenciar vozes, é censura. Portanto, definir o que pode e o que não pode ser postado é um tipo de censura.
Não há porque, sobre o pretexto de resguardar a democracia, adotar-se o arbítrio, a invenção de tipos penais e, sobretudo, a criminalização do exercício de liberdade individual. Portanto, uma legislação sobre a atuação das redes sociais não deve impor, em hipótese alguma, restrições sobre a liberdade de expressão com base no seu conteúdo.
Cada um pode falar o que quiser, de quem quiser, e aí cabe à justiça saber até onde essa liberdade feriu a honra e a intimidade de outra pessoa, obrigando-a a pagar uma indenização por dano moral ou material.
Então, aonde deve o poder público se concentrar em regulamentação? Na criação de perfis falsos, exigindo das Big Techs uma maior rigidez na validação de quem monta um perfil na plataforma.
Inclusive, isso ajudaria muito os investigadores digitais. Afinal, evitaria muitos golpes que acontecem sobre o manto de um perfil fake.
O que não pode é criar exigências para banir perfis verdadeiros sob pretexto de que a pessoa está falando algo que não deveria. Até porque esse “não deveria”, pode ser simplesmente uma opinião divergente.
E aí, saímos de forma sutil de um regime democrático, para uma autocracia, regredindo não só como sociedade, mas também no uso da própria tecnologia.
Portanto, a liberdade das big techs atuarem no Brasil precisa existir, e a regulação deve focar tão e somente em conter perfis falsos que usam o anonimato para caluniar, e assim ferir a lei.
No entanto, para perfis verificados, exigir que sejam extintos pelo teor das mensagens postadas, é o mesmo que pedir para esse artigo sair do ar, porque o conteúdo não agradou.
*Bruno Fraga é especialista em segurança da informação e investigador digital. Autor do livro “Técnicas de Invasão”, que se tornou a obra mais vendida do Brasil na área de Hacking Ético.