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Imunoterapia do câncer: vitória no Nobel e para milhares de vidas

A doença é uma das mais comuns na humanidade. Estima-se que, para o biênio 2018-2019, teremos 1,2 milhão de novos casos no Brasil

Autor Romualdo Barroso de Sousa

atualizado

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1 de 1 nobel premio - Foto: Divulgação

Primeiro de outubro de 2018 é um dia muito feliz para toda a comunidade acadêmica que trabalha com câncer e, especificamente, para a que trabalha com o desenvolvimento da imunoterapia. É, sobretudo, um dia feliz para os pacientes tratados com essas drogas que foram os artífices da história e para quem nós trabalhamos. Bem cedo, mandei uma mensagem para um amigo de Boston falando quem tinha ganhado o Nobel de Medicina e o porquê do prêmio. Ele me respondeu simplesmente assim: GANHAMOS! Meu amigo é uma prova viva da diferença que a pesquisa científica pode fazer na vida das pessoas. Em 2015, ainda na fase de pesquisa clínica, ele começou um tratamento com essas drogas para um tumor de rim avançado. Está muito bem, obrigado!

O câncer é uma das doenças mais comuns da humanidade. Estima-se que, para o biênio 2018-2019, teremos 1.200.000 novos casos no Brasil. Excetuando-se as ocorrências de câncer de pele não melanoma, os cânceres de próstata, mama, pulmão e intestino figuram entre os tipos mais comuns que acometem os brasileiros. Embora o tratamento oncológico seja altamente curativo quando os tumores são diagnosticados precocemente, o tratamento do câncer avançado permanece como um dos grandes desafios da medicina. Neste ano, em reconhecimento ao trabalho pioneiro sobre o uso do sistema imunológico no combate ao câncer, o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2018 foi concedido ao norte-americano James Allisson (EUA) e ao japonês Tasuko Honjo.

Um dos principais papéis do sistema imunológico é combater agressões de agentes externos infecciosos, tais como vírus, protozoários ou bactérias. Esse sistema é capaz de reconhecer tais agentes e montar uma resposta imunológica com o intuito de debelar a infecção. Valendo-se do mesmo racional, desde os primórdios do século 20, cientistas têm tentado usar o sistema imunológico dos próprios pacientes no combate ao câncer. A doença se origina com a ocorrência de defeitos na molécula de DNA denominadas mutações. Tais mutações mudam o código genético das células e dão origem a proteínas anômalas que serão então reconhecidas como diferentes pelo sistema imune. Como regra, o que as células do sistema imune reconhecem como diferente ou externo deve ser destruído.

Assim, a chamada imunoterapia do câncer tem como premissa fundamental o conceito da imunovigilância do câncer. Tal conceito, serviu como base para o estudo, nas décadas de 1980 e 1990, de medicações do grupo das citocinas no combate ao câncer. Embora tenha sido demonstrado que o uso de agentes que atuavam exclusivamente no sistema imunológico poderia levar à cura de casos avançados de melanoma e de câncer de rim, o tratamento era ineficaz na grande maioria dos casos, além de ser acompanhado de toxicidades significativas, com necessidade de internação em unidades de alta complexidade de centros experientes para o manejo dos efeitos adversos. Na prática, a imunoterapia ainda não era uma realidade e estava longe de ser considerada um sucesso.

O grande ponto de virada para a imunoterapia do câncer veio com a mudança de paradigma: em vez de focar a atenção para a melhora da ativação do sistema imune, era hora de entender por que o sistema imunológico, mesmo capaz de reconhecer o tumor, não era capaz de eliminá-lo. Isto é, era preciso entender os mecanismos de evasão ou fuga do sistema imune induzidos pelas células tumorais. Graças ao interesse genuíno em saber como os soldados do sistema imunológico, os linfócitos T, são regulados, Allisson e Honjo foram fundamentais para a definir a importância das moléculas conhecidas como checkpoints imunológicos no câncer. Essas moléculas, que incluem o CTLA-4 e o PD-1, quando presentes na superfície dos linfócitos T, se ligam a outras proteínas presentes em outras células, e atuam como “freios” do sistema imune, desligando os linfócitos. Esse mecanismo de regulação é fisiologicamente importante para evitar danos excessivos e desnecessários aos tecidos durante uma inflamação.

Pesquisas independentes lideradas por Alisson e Honjo demonstraram que as próprias células tumorais favoreciam a expressão dessas moléculas inibitórias (ou de seus ligantes) no tecido tumoral, causando o desligamento do sistema imune, que deixa de atacar as células do câncer. Além disso, seus trabalhos também mostraram que a inibição dessas moléculas era capaz de restaurar o sistema imune antitumoral, permitindo que os glóbulos brancos (linfócitos T) destruíssem os tumores em camundongos. Os desdobramentos dessas descobertas foram sentidos na medicina recentemente com o desenvolvimento clínico dos Inibidores de Checkpoint Imunológico. Tais drogas trouxeram esperança e melhores resultados para milhares de pacientes que sofrem de câncer no mundo todo. Atualmente, sete drogas dessa classe estão aprovadas nos Estados Unidos para o tratamento de mais de 10 doenças, incluindo melanoma, câncer de pulmão, de rim, de bexiga, de cabeça e pescoço, fígado, estômago, pele não melanoma, células de Merkel, e linfoma de Hodgkin.

É importante salientar que toda essa revolução só foi possível através de intensa pesquisa científica, com uma profunda colaboração entre pesquisadores das ciências básicas, de pesquisadores clínicos, e, claro, dos voluntários de pesquisa clínica: pacientes com tumores avançados que aceitaram participar de estudos clínicos na esperança de ajudar a encontrar melhores tratamentos para essa doença. Vamos em frente que ainda há muito por fazer. Este é apenas o começo do fim!

Romualdo Barroso de Sousa é oncologista clínico e coordenador de pesquisa translacional do Hospital Sírio-Libanês em Brasília. Com pós-doutorado em Oncologia no Dana-Farber Cancer Institute, pela Harvard Medical School, de Boston (EUA)

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