Emergência na saúde do DF, outra vez. Onde residem as mudanças?
Decretar emergência outra vez, medida dos tantos governos passados, tem receita certa: adiar o problema e sucatear a rede assistencial
Fátima Sousa
atualizado
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Tomei por surpresa as últimas notícias que têm circulado acerca do estado de emergência decretado pelo atual governo na saúde pública do DF. Ora, o que me é estranho é que durante a campanha o candidato eleito fez diversas promessas de resolver os problemas da saúde. Ele, e todos nós, sabemos a origem histórica da falta de atenção com a implantação do SUS na capital da República.
Esse tipo de ação emergencial tem sido uma prática dos mais diferentes governos aos quais denunciamos. Também apresentamos propostas estruturantes à rede de atenção integral à saúde, que passam, necessariamente, pela reestruturação dos hospitais, fortalecimento da Atenção Básica, interconexão das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), criação de uma câmara de negociação permanente com os profissionais de saúde, entre outras iniciativas.
A falta de propostas ou promessas eleitoreiras vem de longas dadas. Passou pelos governos de Roriz (que extinguiu o programa Saúde em Casa), foi uma secretaria abandonada pelo governo Arruda, negligenciada por Agnelo Queiroz e, por fim, não foi prioridade no governo Rollemberg, cuja maior iniciativa foi a privatização do Hospital de Base (foto em destaque), que em nada contribuiu para enfrentar a crise no setor.
Agora o novo governo, de paletó remendado, repete a mesma receita para velhas doenças. Quem de nós não sabíamos do estado de calamidade pública na saúde do DF? A olhos vistos faltam desde insumos mais simples, como gases, soro, agulhas, lençóis, medicamentos básicos, até o mais grave, a falta de humanidade e o desrespeito com as dores da nossa gente. Tratam seu bem supremo, a vida com saúde digna, como mercadoria.
Decretar estado de emergência por seis meses indica adiar os problemas e ou criar elementos facilitadores às compras e contratações sem licitações, a exemplo da ampliação de carga horária de efetivo e contratações temporárias. Assim, parecem fáceis as medidas anunciadas para conter a crise, mais uma vez fadadas ao fracasso.
E o governador, diferentemente do que falou na campanha, toma o Instituto Hospital de Base (IHBDF), como “ilha de excelência”, a ser extensiva para toda a rede assistencial (palavras dele). No mínimo esperávamos que instalasse uma auditoria em todos os setores da Secretaria de Saúde, acompanhada pelas entidades representativas da sociedade civil e pelas organizações representativas dos servidores do setor e dos usuários.
Esperávamos que ele explicasse à população como são as despesas para manutenção do IHBDF, lembrando que, além de não respeitarem o cronograma de pagamentos da Secretaria de Saúde, não é de domínio público quanto recebem os profissionais contratados, sem concurso, para gerirem esse instituto, ampliando o falatório que os dirigentes recebem altos salários, diferenciando-os dos demais profissionais da rede, ocasionando um tensionamento entre os trabalhadores.
Desorganização
Esperava-se, ainda que de posse do diagnóstico situacional com os dados reais em mãos, que evitasse medidas como o mutirão, desaconselhado pela equipe técnica da SES-DF em reunião de transição. Ainda assim manteve a proposta, e para sua execução vem deslocando profissionais de um hospital para outro, a exemplo, do Hospital do Gama para o IHBDF, desorganizando o processo de trabalho dos profissionais de saúde em suas respectivas unidades de vinculação.
Esperava-se que fosse republicano e que mostrasse à população que os contratos estão em dia, segundo relatório da SES. E, se as contas estão em dia, seguir comprando sem licitação, não se justifica. É um risco. Olha eu dizendo isso a advogados, que devem entender de direito administrativo.
Esperava-se, principalmente, que informasse ao povo a base legal da contratação de aposentados. Em sua proposta de criar cargo comissionado, e esse só pode ser feito por projeto de lei, logo, sabemos que é ilegal, não há cargo comissionado para carga horária de 20 horas.
Segundo o Relatório de Atividade Quadrimestral – 2º Quadrimestre 2018 da SES-DF, há menos de R$ 500 mil de verba indenizatória. Desse modo, o que orientou os técnicos responsáveis pelo Fundo Distrital de Saúde? Certamente ficaram morrendo de medo, ou no mínimo surpresos, com tamanho desatino. É preciso lembrar que a única forma de ingresso no serviço público é por concurso.
Quanto aos contratos, é de domínio público que os mesmos foram feitos pela gestão passada, de forma enxuta porque durante todo o exercício do governo recém-passado, TCDF e MP não deram trégua, o que, inclusive, gerou atrasos em alguns, como o do Home Care. O que mudou em poucos dias?
Esperava-se, sobretudo, que o governador colocasse os cargos à disposição dos servidores de carreira, o que ouvimos dele nos diversos debates. Ao contrário, os distribuiu segundo seus compromissos de campanha, leia-se apadrinhados políticos. Os critérios? Valores altos dos cargos.
Conhecimento, competência e qualificações técnicas para a função perderam o sentido. Mais grave, não sabem nada do SUS, muito menos da estrutura organizacional da SES e dos processos de trabalho. Portanto, a SES foi leiloada, assim como a composição do secretariado, advinda do ex- governo Temer e de fora do DF. Quem diria!
Isso posto, é preciso alertar a população para o fato de que decretar emergência, outra vez, medida dos tantos governos passados, tem receita certa: adiar o problema, sucatear a rede assistencial, e o que é gravíssimo: transferir mais e mais recursos públicos para entidades do setor privado, com a compra de serviços às entidades do complexo médico-industrial. Esses atalhos às regras da administração pública, o Distrito Federal já conhece há décadas, logo, onde residem as mudanças prometidas?
- Fátima Sousa é professora da Universidade de Brasília (UnB) e foi candidata ao GDF em 2018 pelo PSol