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Eleições no Brasil: 2020 será o ano das mulheres na política

Como partidos não poderão formar coligações e não terão financiamento privado de campanha, terão que investir nos candidatos – e candidatas

Daniela Rabello, cientista política, palestrante e escritora

atualizado

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Pode parecer muito otimismo afirmar que 2020 será o ano da equidade de gênero na política. Afinal, diante de um cenário ainda conturbado, em que as “candidaturas laranjas” permanecem no noticiário eleitoral como solução para burlar o cumprimento da cota feminina, fica complicado acreditar em alguma mudança. No entanto, uma análise mais minuciosa mostra que sim, as mulheres podem surpreender na política em outubro.

Em 2016, quando tivemos a última eleição municipal, apenas 31,89% das candidaturas eram femininas. Batemos na trave da cota mínima de 30% de indicações e ainda saímos com a pecha de aceitarmos fazer parte de uma farsa.

Naquele ano, mais de 16 mil candidatos concluíram a eleição sem ter recebido nem sequer um voto, nem o dele mesmo. Desse total, 14.417 eram mulheres e apenas 1.714 eram homens. Em boa parte dos casos, elas nem sabiam que eram candidatas, de acordo com o Ministério Público Eleitoral (MPE). Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nos corredores do Congresso Nacional, é comum ouvir de parlamentares visões pessimistas sobre a presença feminina, sob a fácil alegação de que a mulher “não quer” participar da política. Alguns chegam ao cúmulo de insinuar que a lei da cota de 30% de candidaturas deve ser alterada. Afinal, “se elas não querem, não há o que possa ser feito”. Será mesmo?

A mudança na Lei Eleitoral foi um dos maiores avanços que obtivemos nos últimos anos. No ranking de participação de mulheres no Parlamento, feito em 2017 pela ONU Mulheres em parceria com a União Interparlamentar (UIP), o Brasil figura na 154ª posição entre 174 países analisados. Entre 33 países latino-americanos e caribenhos, o Brasil ocupa o penúltimo lugar, à frente somente de Belize (3,1%).

“Como toda política pública, porém, não basta alterar a lei para obter os resultados esperados. A ausência da mulher na política se deve a fatores culturais históricos, que permeiam a formação da sociedade décadas e décadas a fio. A mudança dessa realidade não acontecerá por uma decisão tomada da noite para o dia, sem uma compreensão coletiva, sem que haja incentivo e promoção da mulher na política”

É preciso ter conhecimento sobre o nosso passado, sobre o que nos levou a permanecer tão distante desse universo. É preciso trabalhar o uso do tempo feminino na nova sociedade, em que o compartilhamento de tarefas abre uma enorme janela de oportunidades. É preciso despertar a mulher para uma visão mais estratégica sobre os rumos da sua própria vida e sobre o seu potencial para influenciar os rumos da sua comunidade e do país. Todas essas questões deveriam fazer parte do pacote básico de formação das mulheres na política.

E, vejam que interessante: isso já foi pensando em 2013, quando as poucas que nos representavam no Parlamento conseguiram acrescentar na Lei 12.034/2009 o artigo 44, que obriga os partidos a destinar 5% dos recursos do Fundo Partidário para programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, bem como reservar a elas 10% do tempo de propaganda partidária gratuita no rádio e na TV.

Tais mecanismos configuram o início de um processo que busca a igualdade efetiva de oportunidades. De dois anos para cá, as iniciativas vêm sendo consolidadas por meio das resoluções do TSE.

Em maio de 2018, por exemplo, a Corte determinou a aplicação de, no mínimo, 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o Fundo Eleitoral, para financiar candidaturas femininas. Os ministros também entenderam que o mesmo percentual deve ser considerado em relação ao tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV.

Além disso, decidiram que esses recursos deveriam ser usados exclusivamente com as candidatas, vetando a possibilidade de financiar candidaturas masculinas. Para os magistrados, a medida evita o desvirtuamento do objetivo da implantação do sistema de cotas femininas. E eles estão corretíssimos.

Vitória nas urnas

O reflexo foi imediato, sentido já nas eleições de 2018. Segundo o TSE, foram eleitas 290 candidatas, de um total de 9.204 (31,6%) representando 16,2% de 1.790 eleitos no país. Isso representa um aumento de 52,6% em relação a 2014, quando apenas 190 mulheres eleitas — 11,1% do total de 1.711 eleitos, um crescimento de 5,1% com relação a 2010.

O número de deputadas federais eleitas para a Câmara dos Deputados subiu de 51 para 77 de 2014 para 2018, um aumento de 51%. Para as assembleias legislativas, foram escolhidas 161 representantes, 41,2% a mais que em 2014, quando 114 se tornaram deputadas estaduais.

No Senado Federal, apenas sete mulheres foram eleitas em 2018, mantendo o mesmo número de 2010.

Para este ano, o cenário se apresenta bem mais otimista. Isso porque, além dos 30% do Fundo Eleitoral e dos 5% de investimento em formação, há uma novidade para apimentar o pleito: pela primeira vez, os partidos não poderão formar coligações. Este fato, aliado ao fim do financiamento privado de campanha, levará inevitavelmente o partido a investir em seus candidatos — e candidatas! — caso queira sair vitorioso das urnas.

No caso da promoção e do incentivo para a participação feminina na política, vale realçar que não basta organizar um evento de um, dois ou três dias como as legendas têm feito costumeiramente. É fundamental realizar um trabalho contínuo e sistemático de formação.

É imprescindível considerar todo o passado de afastamento feminino involuntário da vida pública do país, dos processos políticos, dos ambientes de tomadas de decisão. É crucial despertar nelas o potencial do pensamento coletivo.

Feito isso, os partidos devem oferecer a elas as ferramentas necessárias para que entrem com o pé direito em uma disputa eleitoral, garantindo embasamento político, conhecimento e planejamento de campanha e instruções de marketing eleitoral que facilitem seu processo em busca do voto.

Dessa forma, o partido conseguirá não apenas garantir o cumprimento da cota feminina de forma verdadeira e satisfatória, como também ampliar sua votação para atingir o coeficiente eleitoral.

O problema não é e nunca foi a suposta falta de interesse da mulher em participar da política. O problema sempre foi, e continua sendo, uma cultura arraigada que ergueu um muro gigantesco entre a mulher e a política. As mulheres precisam, isso sim, de incentivo, subsídio e segurança para atravessar este obstáculo e mudar a realidade do país. A alternativa está posta. Basta colocar em prática. O momento é agora!

  • Daniela Rabello é cientista política, palestrante e escritora

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