Educação no fogo cruzado. Também morre quem estuda
Dos 100 primeiros dias letivos, 93 foram interrompidos por conta da violência em pelo menos uma escola no Rio de Janeiro
Rafael Parente
atualizado
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Segunda-feira, 21 de agosto, Rio de Janeiro. Tiroteios e operações das forças especiais em comunidades deixaram 27 mil crianças sem aula. Na sexta-feira anterior, os confrontos já haviam deixado mais de 19 mil estudantes fora da escola — ao todo, 55 unidades de ensino da prefeitura fecharam as portas por causa dos confrontos, de acordo com dados da secretaria municipal.
Outros números já haviam chamado a atenção antes. Dos 100 primeiros dias letivos, 93 foram interrompidos por conta da violência em pelo menos uma escola, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação.
Em outras palavras, um em cada cinco alunos teve seu aprendizado prejudicado pelo desgoverno no combate ao crime organizado. Nessa realidade, centenas de milhares de estudantes, professores e gestores de escolas precisam lutar diariamente para vencer o medo de não voltar para casa.
A rotina da violência acrescenta novos desafios ao rol de dificuldades do ensino público. Crianças, jovens e profissionais que já encaram um cenário de políticas públicas falidas esforçam-se para ensinar e aprender em um ambiente que não garante segurança.
A ciência comprova que a capacidade de atenção e de concentração de uma criança é comprometida em situações de conflito.
Navegando no mesmo barco, em vias de naufragar, estão os professores, que precisam desenvolver competências e habilidades não ensinadas nas universidades. Os docentes querem um ambiente digno e condições de trabalho para que as crianças possam estudar e crescer como cidadãos. No entanto, são obrigados a exercer o ofício sem acompanhamento psicológico e sem adicionais pela insegurança e insalubridade em seus ambientes de trabalho.
Bloqueios cognitivos
As crianças, por sua vez, precisam de uma educação de qualidade, que inclua a garantia de segurança num momento decisivo de construção do seu futuro. O estudo “Educação em alvo: os efeitos da violência armada nas salas de aula”, realizado pela Fundação Getulio Vargas, aponta que as crianças mais expostas à violência são as que estão na primeira infância, até os 6 anos. Várias desenvolvem bloqueios cognitivos por conta da frequente exposição a situações de conflito.
Em uma época na qual estamos discutindo a importância do ensino das competências socioemocionais em sala de aula, como colocar esse desafio em prática, se vivemos aterrorizados com o que acontece em nossa comunidade?
Eis uma resposta que vem dos países desenvolvidos: as políticas públicas educacionais têm de ser integradas às de outras pastas, como segurança, saúde e assistência social.
Em uma de suas músicas mais famosas, a banda carioca O Rappa diz que “também morre quem atira”. Mas essa não é a única lei que impera em uma cidade partida e sofrida. No Rio, também morre quem estuda e quem ensina. Levam, consigo, possibilidades e esperanças que carregavam em seu futuro, subitamente interrompido.
*Rafael Parente é PhD em educação pela NYU e CEO da Aondê/Conecturma