É só um docinho? Gesto de carinho pode se tornar hábito ruim
Apesar da ligação que as pessoas fazem entre os doces e o aconchego, é preciso tomar muito cuidado, pois alguns aprendizados perduram
Christiane Fernandes
atualizado
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Quando a gente é criança, nada melhor do que ir lanchar na casa da avó querida e ter aquele enorme bolo com cobertura de chocolate em cima da mesa, certo? Nem tão certo assim! Apesar da ligação que as pessoas em geral fazem entre os doces e o aconchego, o carinho e o conforto emocional, é preciso tomar muito cuidado, principalmente na infância, pois alguns aprendizados podem perdurar por toda a vida.
A nutróloga Andreia Guarnieri comenta, em seu site: “Sabe aquele sorvete enorme e colorido que mamãe te levou pra tomar quando teu gatinho morreu? Aquele brigadeiro que você “precisa” quando o dia foi muito chato ou algo ruim aconteceu? Essa é a ideia para entender o que é a comida emocional ou conforto (comfort food).
Falar sobre os inofensivos bolos de chocolate da avó é também refletir a respeito da escassez de informações que as gerações anteriores às dos nossos filhos tinham sobre saúde (ou a falta dela) e como isso moldou nossa cultura diante dos alimentos e das emoções.
Olhem este exemplo. Em 1952, fumar era aconselhável, permitido e charmoso. A propaganda da imagem diz, em tradução livre: “A maioria dos médicos fumam Camels mais do que qualquer outro cigarro”. Depois de ler este anúncio, como meus avós poderiam achar que cigarro fazia mal?
Em 2019, o Ministério da Saúde lançou o “Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos”. Nele, uma regra fundamental: nada de açúcar até os 2 anos de idade. Na página 73, com o devido destaque, é apresentado uma lista de produtos que devem ser evitados, os chamados alimentos ultraprocessados.
E o bolo de chocolate, ele deve sumir? Antes dos dois anos, sim. Depois dos dois anos, claro que não, principalmente se for caseiro e feito com ingredientes mais saudáveis. Mas deve estar no cardápio apenas de vez em quando. Sabe por quê? Os dados abaixo dão a resposta:
⦁ Os dados oficiais do Ministério da Saúde mostram que 3 a cada 10 crianças de 5 a 9 anos estão acima do peso;
⦁ Vários estudos mostram associação do consumo de alimentos ultraprocessados com o excesso de peso. Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) 2018 revelam a frequência de consumo de alimentos ultraprocessados no dia anterior é de 49% em crianças de 6 a 23 meses e de bebidas adoçadas, em 33% para crianças de 6 a 23 meses, chegando a 68% entre crianças de 5 a 10 anos. Nessa mesma faixa etária, observa-se uma frequência de 62% de consumo de macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados, no dia anterior;
⦁ A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 trouxe os dados que chamam a atenção para o problema ao mostrar que 32,3% das crianças menores de dois anos consomem refrigerantes e sucos artificiais e 60,8% consomem biscoitos, bolachas ou bolos;
⦁ A obesidade infantil pode desencadear problemas de saúde como diabetes, hipertensão e colesterol alto, que são fatores de risco para as doenças do coração;
⦁ Estudo recente aponta que crianças acima do peso possuem 75% mais chance de serem adolescentes obesos; e adolescentes obesos têm 89% de chance de serem adultos obesos;
⦁ Por isso, além de centrar ações nos primeiros dias de vida, como o incentivo ao aleitamento materno, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, destacou que as políticas de estímulo ao hábito saudável devem aliar ações de alimentação e atividade física;
Depois desta lista de dados que puxam nossa orelha, exclua do cardápio os alimentos ultraprocessados. Sabe aquela bolacha recheada, aquele suco de caixinha puro açúcar? Pois é, melhor deixar na prateleira do supermercado.
Uma boa pedida é ensinar a meninada a cozinhar. É importante começar logo cedo. O ideal é oferecer o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida e, após isso, introduzir alimentação saudável, de preferência in natura.
“É preciso envolver a criança na preparação da comida de uma forma mais lúdica, para que ela possa, desde cedo, valorizar a cultura alimentar e a alimentação feita em casa”, orienta a coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Michele Lessa.
“A culpa não é da criança, o meio em que ela vive é que favorece ou não o excesso de peso. Quando há oferta de alimentação saudável nas creches e escolas e há espaços públicos para brincar e fazer atividade física, tudo fica mais fácil para as crianças. A família também deve evitar comprar refrigerantes e sucos de caixinha, biscoitos recheados, pizza, chocolate e outros alimentos com muita gordura, sódio e açúcar”, explica a coordenadora.
A família tem um papel fundamental em ajudar as crianças a desenvolverem hábitos mais saudáveis. Eles nos imitam, nunca se esqueçam disso.