“Devemos criar cidadãos e não bestas”, desabafa pai de Raul Aragão
Ele fala sobre tragédia que o atingiu e diz sentir compaixão do jovem que tirou a vida do seu filho. Ciclista morreu atropelado na L2 Norte
Helder Gondim
atualizado
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Hoje (21 de novembro) faz um mês que meu filho Raul foi morto quando atravessava a L2 a caminho de casa, depois de almoçar no Restaurante Universitário da UnB. Pensei que a dor da perda diminuiria com o tempo. Não acreditem nisso. Nem pode ser amenizada pela presença de outros filhos. Tenho outros quatro. Todos vieram de diversos estados do Brasil para as exéquias e ver o irmão uma última vez.
Por qualquer dos meus filhos verteria as mesmas lágrimas. Mas a ironia daquele corpo frio ser de uma vítima daquilo contra o que lutara durante seus breves 24 anos incompletos (o aniversário dele seria 14 de novembro) fez centenas de outros olhos encherem-se de lágrimas. As avós dele, de 81 e 84 anos, tios e primos também precisaram vir para poder crer.Tragédia! Fui criticado por ter falado, antes da conclusão do laudo pericial, de minha compaixão em relação a Johann Homonnai, de 18 anos, que tirou a vida de meu filho. Hoje, com o laudo atestando 95km por hora no momento do impacto, minha pena deste rapaz é bem maior.
Confira as imagens do velório e enterro de Raul Aragão no dia 23 de outubro, no Campo da Esperança, da Asa Sul
Mesmo quando dona Régilla Márcia, proprietária da Casa de Biscoitos Mineiros, ainda com Raul entre a vida e a morte, veio vilipendiá-lo, alegando estar ele sem equipamento de segurança, de chinelos. Não contrapus que suas unhas dos pés estavam intactas, perguntei como estava o filho dela, minha preocupação era e é sincera.
Minha compaixão é a mesma que senti por Rodion Raskólnikov, quando li “Crime e Castigo”. O personagem também cometeu um assassinato acidental. Fora apenas cometer um furto. Mas, ao ser surpreendido e atacado, tirou duas vidas humanas. Sua existência tornou-se um inferno. Sua alma só apaziguou-se quando teve a oportunidade de expiar a culpa. O tempo também não apagará sua consciência, a não ser que torne-se um psicopata. Não desejo, nem para ele nem para a sociedade, tal desgraça.
Entendo ser dever de um advogado fazer de tudo para livrar seu constituinte de qualquer condenação. Mas os deveres de um pai são bem maiores. Devemos criar cidadãos e não bestas. Imagino o quanto custou convencer as autoridades a livrar o flagrante de seu filho para sua consciência. O delegado nos disse que o menino estaria nervoso demais; e o pai, Johann Homonnai Junior, prometera levá-lo para depor quando estivesse melhor, e claro, bem instruído a como proceder no interrogatório, manter-se em silêncio.
Imagine o senhor, se eu, como fiscal da Receita, relaxasse multas à JBS, ou se os policiais federais não prendessem o Picciani ou o Sérgio Cabral compungidos e emocionados pelo flagrante? O direito à propriedade é mais importante que o direito à vida, poderia alegar o senhor. Mas Dr. Homonnai, seu sócio, o Dr. Ibaneis Rocha, pleiteia a indicação de candidato a governador do DF pelo mesmo partido dos senhores Picciani e Cabral. Esperamos, nós eleitores de Brasília, um entendimento melhor das leis.
Dr. Johann Homonnai Junior, li compungido um e-mail ao Nassif atribuído ao senhor, em que defendia os meninos que tocaram fogo no índio Galdino Pataxó por pensarem ser ele um mendigo. Em um trecho, o senhor falava que eles “envergonham-se sinceramente do que fizeram”. Que encontrou na face de um deles “um misto de vergonha, susto e desespero. A vergonha era maior. Pedia desculpas a todos que conhecia.” O senhor tem visto o mesmo misto na face de seu filho?
Dr. Johann Homonnai Junior, permita a seu filho ser um cidadão responsável, e resignar-se para que não perca a juventude vilipendiado com o opróbio de assassino, ou mesmo de filhinho de papai irresponsável dirigindo a 100Km/h numa via de 60km/h, em um carango superesportivo, que faz de 0 a 100km/h em 9,3 segundos. De minha parte, não permitirei que meu filho seja acusado de provocar a própria morte, ou sequer de estar mal-vestido, de chinelos, para encontrá-la.
(*) Helder Gondim é servidor público, pai de Raul Aragão, ciclista que morreu atropelado no dia 21 de outubro de 2017 na L2 Norte