Derrotados buscam “espaços de poder” com Ibaneis
Segundo turno é o momento ideal para garantir cargos, verbas e visibilidade
Hélio Doyle
atualizado
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Foi a Constituição de 1988 que instituiu o segundo turno nas eleições para presidente da República, governador e prefeito das cidades com mais de 200 mil eleitores. Até a última eleição para presidente antes da ditadura, em 1960, o primeiro colocado era eleito mesmo sem ter mais de 50% dos votos.
Depois do Estado Novo, só o marechal Eurico Gaspar Dutra (PSD) conseguiu maioria absoluta, em 1945, ao derrotar o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN) por 55,39% a 34,74%, havendo mais dois candidatos concorrendo (9,71% e 0,17%). Em 1950, Getúlio Vargas (PTB) chegou perto da maioria absoluta, com 48,73%. Eduardo Gomes ficou com 29,66% e dois outros candidatos conseguiram 21,49% e 0,12%.
Em 1955, Juscelino Kubitschek (PSD) foi eleito com 35,68%; o marechal Juarez Távora (UDN) teve 30,27% dos votos; Adhemar de Barros (PSP) teve 25,77%; e o integralista Plínio Salgado (PRP) chegou a 8,28%. Para tentar impedir a posse de Juscelino, udenistas apresentaram, sem sucesso, emenda constitucional exigindo maioria absoluta de votos, e ainda houve tentativa de golpe militar.
Jânio Quadros (PTN) também chegou perto da maioria absoluta em 1960, quando obteve 48,26% dos votos, contra 32,94% do marechal Henrique Lott (PSD) e 18,79% de Adhemar de Barros. Mesmo com tantos votos, Jânio não teve o apoio do Congresso e renunciou ao mandato com menos de sete meses de governo.
O segundo turno está consolidado, no Brasil e na maioria dos países em que há mais de dois partidos, como solução para que o eleito tenha legitimidade popular e mais facilidade para conseguir apoio parlamentar, já que, para chegar aos 50% mais um, precisa fazer alianças com forças políticas derrotadas.
Mas essa é, paradoxalmente, a maior crítica feita à exigência de metade mais um dos votos e um dos motivos pelos quais os candidatos fazem de tudo para ganhar logo no primeiro turno: a necessidade de estabelecer negociações com os candidatos e chefes dos partidos derrotados para chegar à maioria absoluta. É nessas negociações que acontece a troca de cargos e outras benesses pelo apoio, nem sempre traduzido em votos, ao candidato.
Espaços de poder
É o que está acontecendo, em Brasília, com Ibaneis Rocha (MDB), que venceu o primeiro turno com 41,97% dos votos e agora disputa com Rodrigo Rollemberg (PSB), que teve apenas 13,94%. Ibaneis foi o primeiro colocado, entre 11 candidatos, criticando os adversários e se colocando como defensor de novas e renovadoras práticas políticas, o que foi fundamental para sua vitória.
Para vencer no segundo turno, Ibaneis poderia dispensar alianças com os derrotados e ampliar sua votação dirigindo-se diretamente aos eleitores deles. Até porque são poucos os que seguem automaticamente a orientação dos candidatos em quem votaram no primeiro turno. Na maioria dos casos, os apoios declarados têm muito mais repercussão na imprensa e nos blogs do que entre a população.
Ibaneis, porém, tem buscado e recebido apoios que não o ajudam a manter a imagem de renovação que construiu no primeiro turno e, em alguns casos, não combinam com seu discurso como dirigente da OAB e candidato. Ele tem procurado passar a impressão de que os apoios são decorrentes de discussões programáticas e não de promessa de cargos, mas até agora só o que se viu foram declarações suas de endosso a tudo o que propõem os que aderem à sua candidatura.
Uma coisa é, como se faz nas democracias mais avançadas, abrir um processo transparente de discussão de projetos e estabelecer programas comuns, outra coisa é assumir automaticamente tudo o que os aderentes propõem. Anunciar que aceitou todas as propostas dos novos aliados, sem sequer dizer quais são elas, parece mais uma encenação para iludir do que um acordo político programático.
O que a maioria dos novos apoiadores quer, por mais que façam discursos bonitos, é o que chamam de “espaços de poder”. Esse é um movimento natural dos políticos tradicionais: procuram aderir rapidamente ao candidato que tem mais condições de ser vitorioso para garantir cargos para eles próprios, aliados e amigos. E, com os cargos, o manejo de recursos públicos, o status e a manutenção da visibilidade política.
Rogério Rosso (PSD), por exemplo, ficou em terceiro lugar no primeiro turno e não será mais deputado federal. Por isso, precisa garantir esses “espaços de poder” nos próximos quatro anos, para ele e seus correligionários, como o ainda vice-governador Renato Santana, derrotado na eleição para deputado federal.
Segundo Rosso, Ibaneis comprometeu-se com 25 “bandeiras” por ele apresentadas, entre elas duas que já estavam no programa do vitorioso: a extinção da Agefis e do Instituto Hospital de Base, medidas importantes para conseguir os votos de grileiros, invasores de terras públicas, camelôs e promotores da desordem urbana em geral e também os das corporações dos servidores da área de saúde.
Ibaneis, que como presidente da OAB-DF e diretor do Conselho Federal da entidade sempre fez discursos em defesa da democracia, não pode ser conivente com o que disse o deputado Izalci Lucas (PSDB), eleito senador na vaga de Cristovam Buarque (PPS), que também vai apoiar o candidato do MDB. Talvez embalado pela ascensão de Jair Bolsonaro, Izalci disse que está com Ibaneis para “exterminar o comunismo e o socialismo no Brasil”.
Apesar de ter dito que não precisava do apoio dos derrotados, Ibaneis tentou buscar o do quase candidato Jofran Frejat (PR), mas até agora não teve sucesso. Frejat, que na campanha manifestou-se claramente a favor da candidatura do deputado Alberto Fraga (DEM), sexto colocado, tratou a tentativa de Ibaneis com ironia. Fraga e a ex-candidata Eliana Pedrosa (Pros) não apoiam Ibaneis.
Todo político tradicional diz que apoio não se rejeita. Há alguns, porém, que vale a pena rejeitar, ou pelo menos não pedir. O custo pode ser alto demais.