Democracia, notícias falsas e o papel do eleitor
O ódio é um terreno fértil para notícias falsas, pois afasta o cidadão da racionalidade e torna suas preferências seletivas
Creomar Lima Carvalho de Souza
atualizado
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A notícia falsa, ou melhor dizendo, fake news, para uma maior aproximação com o jargão comumente usado, é um elemento que tende a gerar mais confusão no quadro eleitoral que se aproxima. Isso não significa dizer que, em termos de história da democracia, o boato ou a tentativa de destruição de reputações não seja uma prática comum. Tanto no Brasil quanto no exterior, são corriqueiros os registros históricos acerca de rumores ou calúnias que definiram corridas eleitorais. Porém, cabe a pergunta: “Por que a próxima eleição tende a ser terreno fértil para a proliferação de notícias falsas?”.
Na resposta ao questionamento lançado, inicialmente vale dizer que os avanços tecnológicos e a entrada definitiva da internet em um número considerável de lares brasileiros torna o efeito destrutivo das notícias falsas devastador. A título de ilustração, cerca de 120 milhões de brasileiros são usuários do WhatsApp e, certamente, tal cifra que tende a aumentar até as eleições. Imagine, portanto, o quão rapidamente uma mensagem de cunho maldoso pode proliferar e quão difícil é a possibilidade de desfazer o estrago na reputação que seja alvo dela.
De outro lado, ainda no que concerne ao avanço tecnológico, a melhoria e o aumento da acessibilidade de softwares e aplicativos que façam montagens de voz e imagem também tendem a confundir o eleitor, sobretudo, o menos informado, acerca daquilo que seu potencial candidato tenha realmente dito ou não. Nesse sentido, torna-se importante partir para um segundo elemento da pergunta lançada, o fato de que uma fatia do eleitorado é indefesa diante das fake news.
Aqui vale mensurar que cerca de 15% dos eleitores nacionais são analfabetos e isso, por si só, os torna mais suscetíveis a eventuais artimanhas virtuais com objetivo de mudar escolhas eleitorais. Em paralelo, há o fato de que o ambiente político atual, marcado por muita raiva e pouco diálogo, também abre um enorme espaço para a proliferação de notícias falaciosas contra candidatos país afora.
Seguindo essa linha argumentativa, vale uma reflexão sincera com o leitor. Quantas vezes, por conveniência política, você replicou notícias sabidamente falsas? Entenda, no que concerne à sanidade do ambiente democrático, não pode haver espaço para meias verdades. Se o cidadão acredita que sua escolha é a melhor, o melhor caminho é ater-se a verdade sobre ela e, sobremaneira, as percepções rivais.
O ódio é um terreno fértil para notícias falsas, pois afasta o cidadão da racionalidade e torna suas preferências seletivas. Cabe, portanto, esfriar a cabeça e não discutir política com vísceras, tendo em vista as óbvias consequências sociais desse processo. Aqui basta recordar das amizades perdidas desde a última eleição.Tendo como parâmetro a percepção de que autocrítica é um excelente antídoto contra notícias falsas, outro ponto importante e complementar ao primeiro, diz respeito ao fato de que a tecnologia móvel permite que indivíduos não diretamente vinculados em aparatos de campanha oficial possam ser usados como produtores de material ofensivo com fins de destruição de reputação de rivais dos seus candidatos. No que concerne a esse fato, a militância em ambiente virtual desempenhará, tanto para o bem quanto para o mal, um papel importantíssimo no que envolve as fake news.
Dentro desse panorama, a principal orientação a ser dada é a da verificação. Isso quer dizer, sempre que o cidadão receber uma notícia que esteja muito fora da curva, desconfie. E desconfiar resulta, necessariamente, em fazer uma busca sobre a procedência e a veracidade do dado
Há sites como a Agência Lupa que são especializados em verificar fatos jornalísticos. Por outro lado, sempre vale a pena conversar com pessoas que não tenham a mesma posição política que você para perceber se a informação é verdadeira ou não.
O exercício de verificar a veracidade do fato político se torna importante, pois, além de dar o direito ao contraditório para aquele que está com sua reputação em risco, gera algo que anda em falta em parte da sociedade brasileira atual: o diálogo. Sim, dialogar e expor-se ao contraditório é uma excelente forma de combater notícias falsas de toda ordem. Afinal, democracia é feita a partir da sadia ideia de que a contagem de cabeças como um elemento de decisão é melhor que a alternativa, o corte de cabeças.
Creomar Lima Carvalho de Souza é professor na Universidade Católica de Brasília, consultor político e foi observador internacional das eleições dos EUA em 2016, convidado pelo Departamento de Estado, com apoio da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil