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Deltan, Moro e o tema da corrupção

A história recente nacional serve de prova de que a corrupção não tem cor político-partidária

Autor Anselmo Henrique Cordeiro Lopes

atualizado

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1 de 1 imagem colorida mostra Deltan e Moro - Metrópoles - Foto: Arte/Metrópoles

Este artigo (ou quiçá carta) é dirigido a meu amigo Deltan Dallagnol (a quem muito estimo) e a Sergio Moro (a quem igualmente dedico grande respeito); é também destinado ao grande público, porque traz assunto de interesse geral.

Na semana que passou, Deltan e Moro (permitam-me chamá-los assim) declararam apoio e voto no segundo turno das eleições presidenciais em favor do candidato à reeleição, Jair Messias Bolsonaro.

Em tais discursos, em vez de registrar méritos de Bolsonaro que justificariam seus votos, os futuros parlamentares fundamentaram seus apoios na declarada oposição que fazem ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em reação às declarações de Moro e Deltan, a Transparência Internacional (a TI, importante parceira da Lava Jato e dos movimentos de combate à corrupção) soltou nota em que critica duramente os posicionamentos do ex-juiz federal e do ex-procurador da República, listando todos os motivos pelos quais a TI considera o governo Bolsonaro bastante problemático na temática da corrupção.

Em seguida, a jornalista Malu Gaspar, d’O Globo, divulgou matéria noticiando que a manifestação de Deltan em favor do atual presidente teria gerado revolta entre os membros do Ministério Público Federal (MPF).

Não creio que os colegas do MPF tenham ficado “revoltados” com Deltan (e Moro), mas muitos de nós, de fato, consideraram inoportuno o uso da temática anticorrupção em favor da defesa da candidatura de Bolsonaro.

Ao menos na atual conjuntura nacional, em que os “desafios” e problemas relacionados à corrupção alcançam todos os lados da disputa política brasileira, não é crível que o discurso anticorrupção possa ser critério válido para justificar o apoio de uma das chapas do segundo turno presidencial.

Assim, o ponto de discórdia não foi a escolha em si de Bolsonaro (muitos membros do MPF votam nele), mas a razão dada ao público por Deltan para sua escolha pessoal.

Corrupção nos partidos

De fato, acredito que o citado descontentamento dos colegas procuradores da República não se deu somente pela existência de eventos negativos no governo Bolsonaro nessa temática da corrupção (listados pela TI, em sua nota), mas também porque o fenômeno da corrupção (assim como do patrimonialismo ou do desrespeito à lei em seu sentido mais amplo) não é algo exclusivo de algum partido ou agente político em especial, mas é – isso sim – disseminado em quase todos os espectros políticos brasileiros.

A história recente nacional serve de prova de que a corrupção não tem cor político-partidária, alcança todas a matizes, da direita à esquerda, passando pelo centro. Seria credulidade, portanto, achar que somente “esquerdistas” ou “direitistas” sejam responsáveis por esquemas criminosos no Brasil. Quem (como eu e, no passado, Deltan) investiga crimes contra a Administração Pública sabe que não há essa vinculação ideológica, que o crime do colarinho branco não escolhe ideologias.

No próprio caso da Lava Jato, em que Deltan e Moro trabalharam, partidos de centro (como o MDB) e de centro-direita (como o PP) foram beneficiados da mesma forma que o PT (de esquerda). Igualmente, no “Mensalão”, os mesmos e outros partidos foram favorecidos, como o PL, partido de direita que hoje conta com a filiação do atual presidente da República.

É importante ainda observar (como bem detalhou, em denúncias, a Procuradoria-Geral da República – PGR) que os grupos que realizaram (digo em tese, sem qualquer prejulgamento) os atos ilícitos descritos nas ações da Lava Jato (e demais operações de combate à corrupção dos últimos anos) eram bastante segmentados, não havendo somente um centro de decisão possivelmente criminoso – em alguns casos, a PGR indicou a existência de mais de uma “organização criminosa” dentro de um mesmo partido político.

Ou seja, a responsabilidade pelos ilícitos era difundida e compartilhada inclusive dentro de uma mesma agremiação política. O “Petrolão” teve vários líderes paralelos, e não somente um.

“Petrolão”

Também quero chamar a atenção para o fato de que, por mais méritos que tenham Moro e Deltan, a Lava Jato não se resume aos dois, é muito maior do que eles. Centenas de outros servidores públicos federais das mais diversas instituições e inclinações políticas trabalharam nos milhares de processos e investigações que a compõem.

É relevante constatar isso para também perceber que, se a corrupção não tem cor partidária, o combate à corrupção também não tem e não deve ter coloração de partidos.

Devo aqui registrar que Moro e Deltan têm direito à total liberdade na veiculação de suas ideias político-ideológicas e na defesa de seus candidatos.

Contudo, como os dois são símbolos públicos da Lava Jato e do combate à corrupção que foi promovido na esfera federal, há sempre o risco de o público geral concluir, equivocadamente, que a Lava Jato e as grandes operações similares não passaram de formas de ataque ideológico ao PT.

Por isso, o cuidado que pedimos à dupla Moro-Deltan é justamente para proteger o legado deixado pelos trabalhos realizados pelas instituições de que um dia fizeram parte. Não basta ser honesto e imparcial, é preciso também transparecer imparcialidade, sob pena de se olhar para o passado e se colocar em dúvida a lisura e isonomia do labor realizado.

Se Deltan e Moro trouxessem (ou trouxerem) para o debate público desta eleição presidencial a temática anticorrupção de forma propositiva, com novas ideias e propostas nesse tema (que sejam ou pudessem ser acolhidas por um dos candidatos), aí sim teríamos um debate adequado e de alto nível.

Discutir a lista tríplice para a nomeação de PGR e a autonomia e estruturação das instituição de combate à corrupção, por exemplo, seria mais útil e fecundo do que simplesmente (como fazem milhões de brasileiros hoje) atacar os adversários e debater quem é o mais corrupto dos candidatos (como se houvesse gincana da corrupção no Brasil).

No atual contexto político nacional, utilizar os casos passados de corrupção como fundamento para a escolha pessoal neste segundo turno presidencial parece, no fundo, esconder as verdadeiras razões (ideológicas, em geral) que motivam o voto num ou noutro candidato.

Futuro

Considerando tudo o que sabemos sobre o atual e os anteriores governos federais brasileiros, parece-me mais promissor tentar olhar para frente e identificar o que pode o futuro governo fazer pelo país.

Não quero, com esta mensagem pública, afirmar que Lula e Bolsonaro são iguais. É óbvio que Lula e Bolsonaro são muito diferentes em diversas temáticas (pautas sobre os costumes, proteção socioambiental e de direitos humanos, intervenção na economia etc.).

É justamente nessas e noutras diferenças que cada eleitor, com equilíbrio e total liberdade, deve encontrar o candidato que espelhe suas convicções mais íntimas. O voto, neste segundo turno, deve se dar justamente por essas diferenças, que são normais e aceitáveis dentro de um sistema pacífico e democrático.

No processo de convencimento público (realizado por milhões de eleitores, como Moro e Deltan), o que sugiro é que cada um defenda seu candidato apresentando os aspectos positivos de suas candidaturas, defendendo o que poderia ele fazer pelo Brasil até 2026.

Fazer discussão político-eleitoral com base somente na crítica negativa termina propiciando clima geral de desunião, de guerra, terreno fértil para a violência física e verbal que se multiplica no país (em que familiares e amigos, antes adversários em discussões políticas, passaram a se tratar como verdadeiros inimigos).

Como duas pessoas ponderadas e bem-intencionadas, Deltan e Moro poderiam contribuir com o debate nacional de forma prudente e propositiva, estimulando a conciliação e a cultura de paz de que tanto precisamos.

Política de paz

Essa construção de uma cultura política de paz deveria também se irradiar para os próximos anos, quem quer que seja o presidente da República eleito, para que todos (no Congresso Nacional, nas instituições públicas e na sociedade civil) possamos tentar encontrar o “terreno comum”, os pontos de consenso em que podemos caminhar juntos, deixando os conflitos para serem resolvidos pelos instrumentos normais de nossa democracia.

Estou seguro de que podemos todos tentar convergir em um sem-número de temas. Consolidaremos o Bolsa Família e o Auxílio Brasil num programa mais amplo de renda mínima universal? Avançaremos na estruturação do ensino técnico-profissional? Realizaremos a Reforma Tributária?

Garantiremos fontes de recurso público para viabilizar os pisos nacionais dos profissionais das áreas de educação, saúde e segurança pública? Criaremos um programa federal de reforço escolar, principalmente em língua portuguesa e matemática, para enfim erradicar o analfabetismo funcional no Brasil?

Conto com a colaboração de meu amigo Deltan e de seu atual aliado Moro para que possamos ultrapassar este momento de divisão do país e, quem sabe, inaugurar um novo momento nacional de conciliação, perdão, construção e positividade. E que cada um decida, com tranquilidade e liberdade, seu próprio voto.

  • Anselmo Henrique Cordeiro Lopes é procurador da República, coordenador criminal da Procuradoria da República no Distrito Federal, ex-coordenador da Força-Tarefa Greenfield, doutor e mestre em direito constitucional pela Universidad de Sevilla e bacharel em direito pela Universidade de São Paulo

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