Decisões sobre candidatos e coligações foram tomadas por poucos
Em pouquíssimos partidos a definição das chapas não foi restrita a um pequeno grupo de chefes, mas realizada por um coletivo maior
hélio doyle
atualizado
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As cenas de caciquismo partidário explícito, que já vinham sendo exibidas há meses pelos políticos brasilienses, ganharam mais intensidade nos últimos dias para a realização das convenções. Nada de anormal, ressalve-se – tem sido assim desde o início da República. As práticas autoritárias e excludentes do século 19 permanecem, com ligeiros ajustes, em vigência no século 21.
Brasília não é exceção quanto ao atraso político que grassa no país: alguns poucos dirigentes dos partidos é que decidiram quem é ou não candidato ou que alianças seriam firmadas, sem qualquer preocupação com a democracia interna e desprezando a opinião dos filiados.
O domínio de poucos sobre as legendas é mais grave porque no Brasil, diferentemente de 90% dos países, é obrigatório estar filiado a partido, pelo menos seis meses antes da eleição, para se candidatar.
Os filiados, presos aos partidos nos meses em que se decide quem serão os candidatos, e sem alternativa de mudar de agremiação, não têm alternativa senão aceitar e se submeter às decisões dos caciques. Contrariá-los, durante o processo, pode significar ter a candidatura negada ou ser prejudicado na divisão dos recursos para a campanha.
Em pouquíssimos partidos a definição das chapas não foi restrita a um pequeno grupo de chefes, mas realizada por um coletivo maior, com delegados eleitos pelos filiados. Os candidatos do PT, por exemplo, foram indicados em uma convenção com quase 300 delegados eleitos nas zonais.
Foram eles que escolheram, em votação, o economista Júlio Miragaya em detrimento do bancário Afonso Magalhães, para o governo, e elegeram, entre três postulantes, os dois candidatos ao Senado.
Mas o PT retrocedeu, pois nas eleições de 2010 decidiu quem seria seu candidato ao governo em eleições prévias, abertas a todos os filiados, nas quais Agnelo Queiroz derrotou Geraldo Magela.
Na quase totalidade dos partidos, dominados por chefes ou oligarquias que os comandam à revelia dos filiados, as convenções partidárias não são foros de debate e decisão democrática, mas eventos festivos, com claques, bandas, faixas e bandeiras, para formalizar o que já está decidido por um pequeno grupo.
Chefe inquestionável
Nos partidos menores, há um “dono” que manda e desmanda. Em outros, maiores, as decisões são tomadas por uma executiva mais ampla, mas geralmente sob comando de um chefe tido como inquestionável.
Alguns desses chefes, inclusive, dão as ordens em mais de um partido: aqui, Tadeu Filippelli controla o MDB e o PP; Izalci Lucas é o presidente do PSDB, e seu filho comanda a DC.
Izalci é exemplo de cacique que garante maioria na executiva do seu partido usando os benefícios do mandato parlamentar, assim como fazem Joe Valle no PDT e Chico Leite na Rede, entre outros. Colocar funcionários do próprio gabinete nas executivas é uma das manobras que eles utilizam para deter o comando.
A executiva regional do PDT, sob o comando de Joe Valle, decidiu sozinha, sem uma só consulta aos filiados, todos os passos erráticos que o partido deu: lançar candidato próprio; aliar-se ao então candidato Jofran Frejat; lançar candidato próprio, de novo; coligar-se com Eliana Pedrosa.
Acabou sendo vítima do caciquismo, ao ser subjugada pela decisão do chefe supremo do partido, Carlos Lupi, que desconheceu o que pensam praticamente 100% dos pedetistas brasilienses e impôs a aliança com o PSB, do governador Rodrigo Rollemberg.
Incoerência política
As coligações impostas pelos comandos partidários, algumas delas sem a mínima coerência política e à revelia dos filiados e até mesmo dos pré-candidatos a deputado federal e distrital, estão provocando reações que vão da simples manifestação discreta de insatisfação à desistência de candidaturas, em protesto – como a de Fábio Barcellos, no PDT, e a do coronel Leão, no PCdoB.
Muitos pré-candidatos já com a campanha estruturada para deputado federal, por exemplo, foram eliminados das listas partidárias ou obrigados a se candidatar a distrital.
A democratização interna dos partidos políticos é considerada premissa básica para que se suprima o fosso que existe hoje entre eles e os eleitores, e para que tenham realmente representatividade. Mas, assim como outros pontos da legislação eleitoral, não há o menor interesse dos caciques partidários em mudar o que é ruim, mas está dando certo para eles.
Por isso não se fala, aqui, de adotar eleições prévias internas ou eleições primárias, como nos Estados Unidos, na Argentina e no Uruguai, para falar em países mais próximos fisicamente e de nosso formato político. As realidades são diferentes, mas vários aspectos desses modelos poderiam ser aplicados no Brasil.
Na Argentina, as eleições primárias são oficializadas e abertas a todos os eleitores, filiados ou não aos partidos, e nelas se decide quem serão os candidatos majoritários e proporcionais.
É claro que nesses países, mesmo havendo participação democrática dos filiados e simpatizantes na definição dos candidatos, as direções partidárias continuam a manobrar para fazer valer suas escolhas. Melhor assim, porém, do que como é aqui, em que esses dirigentes – ou donos – fazem o que querem, os pré-candidatos são reféns deles e os filiados são apenas massa de manobra.