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Cristina Serra: Suzano e os ecos de uma tragédia americana

Que o sangue das vítimas de Suzano não tenha sido derramado em vão: que sirva para redirecionar o debate sobre armas no país

Autor Cristina Serra

atualizado

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1 de 1 arte-columbinesuzano - Foto: Arte/Metrópoles

Os detalhes do massacre na escola de Suzano (SP) ainda estão sendo revelados pelos depoimentos de sobreviventes enquanto escrevo este artigo, mas já se pode afirmar que o Brasil entrou, definitivamente, para as estatísticas mundiais desse tipo de tragédia, que nos enche de estupefação e horror.

A ação dos dois atiradores, ambos ex-alunos da escola, tem muitas semelhanças com o que ficou conhecido como o massacre de Realengo. Em abril de 2011, Wellington Menezes de Oliveira, ex-aluno de uma escola municipal na Zona Oeste do Rio de Janeiro, promoveu uma carnificina: com dois revólveres calibre .38, matou 11 estudantes, deixou 13 feridos e se suicidou quando a polícia entrou na escola. O mesmo tipo de arma foi usado pelos atiradores de Suzano, que mataram cinco alunos, duas funcionárias e um comerciante.

Os dois crimes ecoam uma tragédia que até bem pouco tempo considerávamos tipicamente norte-americana, como se estivéssemos imunes, aqui no Brasil, a essa violência. Da pior forma possível, constatamos que não, embora as estatísticas deem aos Estados Unidos o primeiríssimo lugar nesse triste ranking. Pelo menos por enquanto.

O primeiro caso que me vem à mente é o massacre de Columbine, investigado e dissecado no magistral documentário de Michael Moore, Tiros em Columbine. No dia 20 de abril de 1999, os estudantes Eric Harris e Dylan Klebold entraram na escola onde estudavam, no Colorado, dizimaram 12 colegas e um professor, deixaram 24 feridos e se mataram em seguida.

Os Estados Unidos entraram em choque. Mas Columbine seria apenas o começo de uma epidemia que se alastraria por outras escolas nos anos seguintes. Um dos ataques mais mortíferos dentro de uma escola aconteceria em 2007, na Universidade Estadual da Virgínia, conhecida como Virgínia Tech, quando um aluno portando uma pistola Glock matou 32 pessoas, a maioria estudantes como ele.

Em dezembro de 2012, horror semelhante se repetiria, só que desta vez tendo como alvo crianças de 6 e 7 anos, na escola primária Sandy Hook, numa área rural de Newtown, Connecticut. O atirador solitário, com várias armas 9 mm, matou a mãe em casa, dirigiu-se à escola, executou 20 crianças e seis adultos e, então, se suicidou.

Foi preciso acontecer mais um massacre, em fevereiro de 2018, para só então a sociedade norte-americana reagir de forma contundente e pedir o aumento no controle de armas, no país em que, em alguns estados, é possível comprar um rifle num supermercado. Nikolas Cruz, de 19 anos, matou 17 colegas e professores com um fuzil AR-15, em Parkland, na Flórida. A única medida que ocorreu ao presidente Donald Trump foi propor que os professores passassem a portar armas para se defender dos agressores.

A resposta dos sobreviventes foi organizar as maiores marchas de protesto de que se tem notícia na história recente americana. A chamada Marcha por Nossas Vidas chegou a levar cerca de 500 mil pessoas às ruas da capital, Washington. E conseguiu abrir mais fortemente o debate sobre a necessidade de aumentar o controle de armas no país que tem o maior número de cidadãos armados no mundo. Estamos falando, de acordo com algumas estimativas, de cerca de 270 milhões de armas nas mãos de 325 milhões de habitantes. A frequência de tragédias fala por si (e não apenas em escolas, mas também em shows, boates e outros lugares de concentração popular).

No Brasil, já são seis massacres se considerarmos também um caso de 1999, em São Paulo, quando um estudante de medicina entrou numa sala de cinema, num shopping, e abriu fogo contra a plateia do filme Clube da Luta, com uma submetralhadora 9 mm. Mateus da Costa Meira matou três pessoas, feriu quatro e foi preso.

A tragédia na escola em Suzano ocorre num momento muito particular no Brasil, em que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito prometendo facilitar o acesso de armas à população. Para isso, ele conta com a chamada Bancada da Bala no Congresso, fortalecida como nunca na eleição passada. Para esses parlamentares, quanto mais armas nas mãos da população, melhor.

Estudos internacionais mostram que a posse de arma dá uma falsa sensação de segurança, mas que é irrisório o número de pessoas que conseguem usar a própria arma para se defender quando vítimas de uma agressão criminosa. Infelizmente, tal como nos Estados Unidos, o lobby da indústria armamentista – ou indústria da morte – parece estar ganhando adeptos. Pois que o sangue das vítimas de Suzano não tenha sido derramado em vão: que sirva para redirecionar o debate e que as marchas de Washington nos inspirem a buscar uma cultura de paz.

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