Círculo vicioso impede a renovação política
Vão começar os debates na TV, mas nem todos os candidatos participarão porque a lei eleitoral favorece os grandes partidos
Hélio Doyle
atualizado
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Vai começar nesta semana a temporada de debates na televisão entre candidatos ao governo de Brasília. O primeiro será na Band, na quinta-feira (16/8). Se nada mudar até o prazo de registro das candidaturas, no dia 15, teremos 11 candidatos a governador. Quatro deles, porém, não participarão dos debates devido a uma entre muitas disposições da legislação eleitoral que existem para beneficiar os grandes partidos e impedir o crescimento dos pequenos e das novas legendas.
Diz a lei eleitoral que as emissoras só têm obrigação de convidar os partidos com pelo menos cinco parlamentares federais, entre deputados e senadores. Por que cinco? Porque assim quiseram deputados e senadores, que legislam em causa própria. Nas eleições de 2016 era pior, pois se exigia um mínimo de nove deputados federais. Mas antes o requisito era ter um deputado na bancada. Fica a critério da emissora convidar quem não cumpra a exigência da lei.
Por isso, os candidatos Alexandre Guerra (Novo), Antônio Guillen (PSTU), Paulo Chagas (PRP) e Renan Arruda (PCO) não deverão participar dos debates na televisão. A não ser, dizem alguns dos organizadores de debates, que cresçam nas pesquisas. Foi por estar bem posicionada nas pesquisas que Marina Silva, da Rede, foi convidada para participar do recente debate presidencial da Band, embora seu partido tenha apenas três parlamentares federais. Marcelo Freixo, do PSol, só participou dos debates em 2016, quando era candidato a prefeito do Rio, por ter índices altos de intenção de votos.
Marina, agora, e Freixo, há dois anos, estavam bem nas pesquisas porque já eram conhecidos dos eleitores, foram parlamentares (Marina foi ministra) e disputaram outras eleições. Quem se candidata pela primeira vez a um cargo majoritário, porém, precisa se tornar conhecido, mas não consegue justamente porque a legislação cria para ele restrições que violam o princípio da igualdade de oportunidades, essencial em qualquer disputa democrática.
Essas restrições, além de impedir a participação em debates, limitam o tempo que cada candidato tem para fazer sua propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio e distribuem desigualmente o dinheiro público para as campanhas – também com critérios definidos pelo tamanho das bancadas na Câmara.
Barreira aos outsiders
Os políticos com mandato e os grandes partidos, que aprovam essa legislação, são os beneficiados, pois impedem o crescimento de candidatos chamados outsiders e a renovação da política. Quem não consegue se mostrar e apresentar suas ideias nos debates televisivos e na propaganda gratuita é prejudicado. Os “com mandato” ainda têm outras vantagens, como o uso abusivo e criminoso das verbas indenizatórias e da estrutura de funcionários pagos pelo Estado para fazer suas campanhas.
As limitações legais aos candidatos de partidos novos e que têm menos deputados não só restringem direitos dos postulantes e dos eleitores como incentivam práticas condenáveis – e corruptas – como vimos durante a chamada janela para que parlamentares pudessem mudar de partido: um mercado livre para compra e venda de mandatos. E, depois, o dinheiro e outras vantagens espúrias rolando na formação de coligações para aumentar o tempo de TV.
Os políticos tradicionais acham tudo isso normal, pois estão acostumados a práticas e métodos ilegítimos e corruptos em seu dia a dia. O deputado distrital Joe Valle (PDT), presidente da desgastada e malvista Câmara Legislativa, repetiu várias vezes que existe “fila” para ser candidato a governador, como se se candidatar fosse prerrogativa de quem já tem mandato e a atividade política fosse uma carreira profissional com plano de cargos.
Goste-se ou não de suas ideias, é inegável que Paulo Chagas, pela direita, e Alexandre Guerra, pelo centro liberal, têm o que dizer e deveriam ter os mesmos direitos que os demais candidatos. Antônio Guillen e Renan Arruda são de partidos de extrema-esquerda que se candidatam apenas para divulgar suas concepções da revolução socialista, sem nenhuma intenção ou condição de serem eleitos, mas não se justifica o cerceamento que sofrem.
Os argumentos favoráveis às restrições são de que é preciso limitar o número de partidos com representação no Congresso Nacional, inclusive para possibilitar governabilidade, e de que a presença de um grande número de candidatos inviabiliza os debates. Ambos corretos, mas com soluções erradas.
A limitação do número de partidos com representação pode ser conseguida por métodos mais democráticos, como o reforço da fidelidade partidária e uma cláusula de barreira de até 3%, limite sugerido pelo Parlamento Europeu. Mas o número de deputados não pode tornar desigual a disputa eleitoral seguinte, ainda mais se eles podem mudar de partido, como se faz no Brasil
Exemplo que vem de fora
Para limitar o número de partidos e candidatos que disputam uma eleição há, entre outras, a solução encontrada na Argentina: são realizadas eleições prévias nas quais os eleitores escolhem quem serão os candidatos do partido de sua preferência.
Se um partido não recebe os votos de pelo menos 1,5% dos eleitores, não disputará as eleições. Assim a decisão de restringir cabe aos eleitores em um momento próximo à eleição, e não quatro anos antes. E partidos recém-criados não serão prejudicados, desde que consigam no mínimo essa parcela do eleitorado.
Para os debates também há soluções, como adaptar as normas para possibilitar mais candidatos ou dividi-los em grupos, por sorteio ou por algum critério objetivo, como número de filiados ou posição em pesquisa. As emissoras, inclusive, já que podem convidar quem quiserem, não deveriam ser cúmplices das leis restritivas à igualdade na disputa.
Em uma democracia é preciso que todos os candidatos tenham as mesmas oportunidades de se apresentar aos eleitores e que a disputa se dê em igualdade de condições. Aqui há um círculo vicioso: os partidos grandes e os políticos tradicionais têm mais dinheiro, mais tempo na TV e participam dos debates, logo elegem mais deputados e continuam com as vantagens, enquanto os pequenos não conseguem crescer porque não conseguem eleger mais deputados.
Esse círculo vicioso precisa ser rompido, mas certamente não o será pelos que querem manter seus mandatos e seus privilégios, impedindo que haja renovação na política.