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Cartilha do PCC é afronta à sociedade civilizada

Documento lido em reuniões de presos e em células organizadas nas comunidades por familiares dos detentos tenta legitimar a criminalidade

miguel lucena

atualizado

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A cartilha que o grupo criminoso Primeiro Comando da Capital (PCC) lançou para os filiados (presos e familiares) e aliados (advogados, políticos, militantes de causas diversas e intelectuais) pode ser interpretada como um manual de orientação para a mobilização em prol da causa que os criminosos defendem. É um manifesto cujo conteúdo expressa o que Freud tratou como mal-estar na civilização: a neurose provocada pela contenção dos impulsos humanos em benefício da vida em sociedade.

Já o estatuto da organização criminosa, chamado de Código de Direito do PCC, detalha como funciona a facção criminosa e como devem pensar e agir seus membros. O estatuto e a cartilha são documentos distintos. Enquanto o primeiro tem caráter organizacional, o segundo busca doutrinar seus membros. É o contradiscurso de combate “a um sistema opressor”, e visa explicar e legitimar — para seus membros e para a sociedade — tanto a existência da organização quanto seus atos.

A cartilha é lida em reuniões de presos e em células organizadas nas comunidades por familiares dos detentos, como programa motivacional para a união do grupo e para demonstrar que o PCC “é o legítimo representante da resistência a um sistema opressor que impede a inserção dos mais pobres”.

Para viver em sociedade, o ser humano teve de renunciar a impulsos sexuais e agressivos, que o levavam a estuprar, roubar, ferir e matar. Os integrantes do PCC, no entanto, enxergam a contenção como opressão do poder instituído.

Pedem paz, justiça e liberdade. Paz entre eles, justiça e liberdade para eles.

Afora a conquista de um sistema penitenciário humanizado, o manual do PCC é um manifesto contra a civilização: as leis, os códigos e as superestruturas erguidas para dirimir os conflitos entre os indivíduos.

Os mais pobres, a quem o PCC alega defender, são os mais atingidos pela criminalidade: oprimidos em seus lares, obrigados a homiziar delinquentes e esconder drogas e armas, assaltados a caminho do trabalho e violentados na volta.

A liberdade apregoada é a de fazer o que lhes convier, sem serem importunados. Onde já se viu impedir o coitado do ladrão de exercer seu ofício?

A paz é entre as facções, para que elas possam transformar a vida das vítimas em um inferno, invadindo casas, violentando e subtraindo de quem insiste em ganhar a vida honestamente.

O PCC finaliza a cartilha tomando de empréstimo um slogan usado pelo guerrilheiro urbano Carlos Lamarca: “Ousar lutar, ousar vencer!”.

É, realmente, muita ousadia.

Miguel Lucena, delegado e diretor de Comunicação da Polícia Civil do Distrito Federal

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