“Caía a tarde feito um viaduto […] Que sufoco!”
Os versos de Aldir Blanc imortalizados por João Bosco em O Bêbado e a Equilibrista, hino da anistia na década de 1970, foram lembrados, infelizmente, após o desabamento do viaduto no Eixo Rodoviário Sul em Brasília, no dia 6 de fevereiro deste ano. Como citei em entrevista, “Deus é candango”, pois não houve vítimas (Brasília Capital, […]
João Carlos Teatini S. Clímaco
atualizado
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Os versos de Aldir Blanc imortalizados por João Bosco em O Bêbado e a Equilibrista, hino da anistia na década de 1970, foram lembrados, infelizmente, após o desabamento do viaduto no Eixo Rodoviário Sul em Brasília, no dia 6 de fevereiro deste ano. Como citei em entrevista, “Deus é candango”, pois não houve vítimas (Brasília Capital, 9/2/2018). Mas outros colapsos causaram mortes, como o Viaduto Guararapes, construído para a Copa do Mundo de 2014, em Belo Horizonte!
As matérias e declarações da mídia criticaram a falta de manutenção pelos governantes, que, em geral, preferem o brilho das obras novas, não raro superfaturadas. Sem pretender esgotar o tema, este texto busca esclarecer alguns aspectos e evitar falsos alarmes, mas apontar riscos verdadeiros.
Em janeiro de 2006, caiu um trecho da laje superior do viaduto na saída do chamado Buraco do Tatu, no Eixão Norte. Foi reparado e, na sequência, o elevado simétrico no Eixão Sul. No mesmo ano, a Agência de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano do Governo do Distrito Federal (GDF) convidou o autor deste artigo e um professor da equipe do ENC/FT/Universidade de Brasília (UnB) para investigar a concepção estrutural de 17 viadutos em torno da Rodoviária do Plano Piloto.No parecer final desse trabalho, constava que: “[…] no aspecto geral, pode-se classificar como crítico o grau de deterioração das estruturas dos 17 viadutos”. Foram propostos três graus de prioridade para intervenção: “imediata”, “de curto prazo” (até seis meses) e “média” (até 12 meses). Menos da metade desses viadutos foi recuperada, mas não o que desabou!
Por que o viaduto desabou? Seu pavimento superior é constituído por oito tabuleiros de lajes de concreto, suportados por sete pilares em forma de “V”, prolongados nas duas laterais por vigas em balanço (livres). Uma estrutura de concreto protendido, composta por “cordoalhas” ou “feixes” de barras de aço de alta resistência, tracionadas e distribuídas no concreto, que deve proteger o aço da corrosão.
As lajes de concreto são ditas “nervuradas”: duas camadas de lajes, lisas nas faces superior e inferior, com o interior composto de vazios – “células” ou “alvéolos” formados por material inerte.
A causa principal do colapso do viaduto foi corrosão do aço das vigas de suporte do tabuleiro e de suas ligações aos pilares, por infiltração contínua de água e detritos nas fissuras e nas juntas de dilatação, sem manutenção por quase 60 anos.
Fotos e vídeos obtidos de relatórios da Novacap/GDF divulgados na internet, feitas com câmeras introduzidas nos alvéolos das lajes, mostram também que muitas nervuras não foram concretadas em grandes trechos, ficando as cordoalhas totalmente expostas à corrosão.
Análises criteriosas
Quanto ao relatório sobre o viaduto elaborado por equipe da UnB, divulgado em 8/3 deste ano, deve-se cumprimentá-la pelo trabalho, tendo a universidade colaborado inclusive no projeto de escoramento da estrutura remanescente.
Os resultados foram respaldados em análises criteriosas de ensaios do concreto e aços coletados, segundo metodologia de quantificação de danos desenvolvida e validada no Programa de Pós-Graduação em Estruturas e Construção Civil, bem como nacionalmente, e de acordo com modelo numérico-computacional para análises estática e dinâmica.
Nas conclusões, ao se indicar a demolição da estrutura, certamente, buscou-se amparo na filosofia de projetos de engenharia: uma estrutura não deve apresentar qualquer sinal que lance suspeitas sobre sua segurança ou cause inquietação ao público em geral. Portanto, não basta o viaduto ser seguro – tem que parecer seguro, quando reconstruído.
O rigor técnico-científico do Relatório UnB e sua repercussão positiva na comunidade forçam-me a lamentar declarações pouco elegantes de alguns gestores do GDF e um comentário inadmissível de um professor engenheiro da Universidade de São Paulo (USP), de área experimental, ao afirmar que “[…] não quer saber de testes de laboratório [sic].” (Agência Brasil, 8/3/2018). Esse profissional, contratado pelo GDF e/ou pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/DF), demanda uma relação melhor explicada…
Antes, a presidente do Crea/DF sugeriu a “demolição total” do viaduto, pois “a estrutura está como se fosse uma casca de ovo”, citando relatório de 2009 feito por uma comissão de peritos criada pelo Conselho (G1/DF, 7/2/2018). Agora, defende reforçar o viaduto, com proposta do citado professor, sócio de empresa de manutenção/recuperação de estruturas com serviços prestados à Novacap!
Poderia ele falar pelo GDF? E o empenho da presidente do Crea/DF? Tem apoio dos milhares de filiados de uma autarquia federal? E o viaduto deve ser demolido?
A necessidade de maior investigação é óbvia, em especial sobre os pilares, blocos e tubulões da fundação. No Relatório UnB, o concreto dos pilares indica resistência suficiente, de acordo com ensaios de materiais apenas da região colapsada. Caso confirmado, parte substancial dessas regiões pode ser reforçada com rapidez, eficiência e economia, preferencialmente com materiais leves, como mantas flexíveis à base de polímeros de alta resistência – carbono, fibra de vidro ou aramida.
No caso dos tabuleiros de lajes de concreto, com dimensões totais de 28m de largura e 194m de extensão, totalmente degradados – fato exposto à exaustão em todos os relatórios e depoimentos sobre o viaduto Galeria –, qualquer proposta que não garanta recuperação integral e manutenção permanente é temerária, desafiando conceitos consagrados de projetos de engenharia acima citados.
Por último, mas essencial: na reconstrução do viaduto, tratando-se de “obras emergenciais” e recursos públicos em ano eleitoral, o Governo do Distrito Federal não pode descuidar da “[…] força da grana que ergue e destrói coisas belas”.
Começamos com Aldir/Bosco e terminamos com Caetano, esperando que a maravilhosa música brasileira inspire Brasília não apenas agora, mas em todo este 2018, já tão conturbado!
(*) João Carlos Teatini S. Clímaco é professor aposentado do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-Graduação em Estruturas e Construção Civil da Universidade de Brasília (1974-2013). Engenheiro civil pela UFG, mestre em ciências pela COPPE/UFRJ, PhD pela Polytechnic of Central London (hoje University of Westminster) e pesquisador visitante na Universidad Nacional de Educación a Distancia da Espanha. Foi secretário de Governo do GDF (1997/98), secretário de Educação a Distância (2003/04) do MEC e diretor da Capes (2009/14). O artigo completo também estará disponível no site da UnB.