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Brumadinho e Mariana: as lições que as duas tragédias deixam ao Brasil

Entre os dois desastres, ambos com custos humano e ambiental devastadores, passaram-se pouco mais de três anos. O que aprendemos?

Autor Cristina Serra

atualizado

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Cristina Serra/Metrópoles
dona cota e aline, sobreviventes de Mariana e Brumadinho
1 de 1 dona cota e aline, sobreviventes de Mariana e Brumadinho - Foto: Cristina Serra/Metrópoles

Pouco mais de três anos separam duas tragédias que marcarão para sempre o Brasil: Mariana e Brumadinho. Ambas resultado do rompimento de barragens de rejeitos de minério de ferro de duas grandes mineradoras em Minas Gerais. Ambas com custos humano e ambiental devastadores.

Por onde a lama passa, deixa feridas que levarão décadas para cicatrizar nas pessoas, na natureza, nas cidades e vilarejos. No caso da barragem da Samarco, em Mariana, o processo criminal se arrasta lentamente na Justiça Federal, sem que haja a menor perspectiva de desfecho no horizonte. Quanto ao desastre da Vale, em Brumadinho, é cedo para saber. Mas as primeiras prisões de funcionários da empresa podem indicar um resultado diferente desta vez.

Certo é que as populações atingidas e o meio ambiente sofrem mais uma vez. Cobri o rompimento da barragem da Samarco, em 2015, como repórter e voltei várias vezes aos lugares atingidos ao longo do Rio Doce para escrever o livro “Tragédia em Mariana”. Teoricamente, deveria estar preparada para encontrar o pior também em Brumadinho, em consequência do rompimento da barragem da Vale. Mas nada prepara ninguém para ver tamanha devastação e testemunhar tanta dor e tristeza.

Assim que cheguei a Brumadinho, procurei conhecer e entender o cenário da tragédia. De um ponto da estrada, é possível ver a cratera que restou no lugar do reservatório de rejeitos, o local onde ficavam os escritórios e o restaurante (que jamais deveriam estar abaixo da barragem), o caminho que a lama percorreu, seguindo o curso do córrego Ferro e Carvão (assim chamado pelos trabalhadores da Vale) até chegar ao Rio Paraopeba, no centro da cidade.

Da ponte sobre o rio, para me certificar, perguntei a um senhor que passava se era mesmo o Paraopeba. Ele me respondeu: “Era, né? Era uma vez…” Um mês depois do desastre, o rio continua vermelho e engrossado pela lama.

Na rota da avalanche, a pousada Nova Estância e algumas casas foram engolidas, nos distritos de Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira. É como se a lama tivesse rasgado uma enorme ferida na paisagem. E no coração de cada um que vive ali.

As duas localidades e mais a zona urbana de Brumadinho estão em luto. Com população estimada em 39 mil moradores, não é exagero dizer que todos conheciam pelo menos um dos cerca de 300 mortos e desaparecidos no desastre. Um rapaz me disse que perdeu três amigos da turma da pelada. Outro, que já tirou 12 amigos do grupo de WhatsApp. Um funcionário da Vale começou a contar os amigos que perdeu. Quando completou os dedos das duas mãos, calou-se.

A presidente da Associação Comunitária dos Moradores do Córrego do Feijão, Eva Xavier, disse que 20 pessoas da comunidade morreram ou ainda não tiveram os corpos encontrados. “Todo mundo que mora aqui é amigo ou parente. Eu deito e penso ‘é um pesadelo’. Mas acordo e vejo que não é”, afirmou Eva, que perdeu um sobrinho, Rodrigo, operador de máquinas da Vale, filho da irmã dela, Maria das Dores, conhecida como dona Cota, 52 anos.

A mãe classifica o desastre com outro nome: “O que aconteceu ali foi um assassinato”. Rodrigo era o terceiro dos quatro filhos de dona Cota. Ele tinha acabado de realizar um sonho: conheceu o mar, em Cabo Frio, no Rio de Janeiro. No dia 3 de janeiro, completara 30 anos. Rodrigo deixou dois filhos: Bruno e Rodrigo Júnior. “Foi muito descaso”, disse dona Cota. Ela conta que o marido, Noé, 60 anos, ainda não aceita a morte do filho. “Outro dia ele disse pra mim: ‘quem sabe o Rodrigo não tá desmaiado num hospital?’”.

Só o número de mortos no Córrego do Feijão ultrapassou as 19 vítimas de Mariana. E as duas tragédias estão unindo famílias pela solidariedade de quem já passou pelo mesmo desespero. Aline Ribeiro perdeu o marido, Samuel Vieira Albino, em novembro de 2015, no rompimento da barragem de Fundão. Ela está em Brumadinho levando um pouco de consolo às famílias e ajudando na mobilização.

“A gente sabe que dor é essa. É nossa obrigação ajudar”, disse ela (abraçada à dona Cota, na foto em destaque). Nesta segunda-feira (25/2), estão previstas várias cerimônias para marcar um mês do desastre em Brumadinho. Mais uma vez, moradores e trabalhadores vão chorar os seus mortos enquanto outro rio agoniza. Até quando?

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