Falta cinema de rua em Brasília e isso prejudica todo mundo
Com 3 mil salas de cinema, o parque exibidor brasileiro é praticamente restrito a centros de compras e está longe do ideal
Yale Gontijo
atualizado
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As estatísticas do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (Oca), da Agência Nacional de Cinema (Ancine), mostram que o parque exibidor de cinema no Brasil está se expandindo. O número de salas de cinema no país alcançou 3 mil unidades em 2015.
A atual marca de três milhares pode ser vista como um copo meio cheio ou meio vazio. Primeiro é uma proporção ainda pequena para uma população de mais 200 milhões de habitantes e segue sendo inferior ao tamanho do recorde do parque exibidor brasileiro: 3,2 mil salas em 1975.
Claro, evidentemente, a expansão da televisão roubou uma enorme fatia de público cinéfilo, que passou a acompanhar títulos cinematográficos na comodidade do lar, levando muitos exibidores à falência.
Esse movimento de expansão da TV e decadência de outras formas de cultura foi contada pelo próprio cinema nacional no oitentista “Bye bye Brasil”, de Cacá Diegues, sobre uma trupe de circo. E de forma bem terna no cearense “Cine Holliúdy” (2012, foto no alto), sucesso inesperado de público do estreante Halder Gomes.
Mas, o entretenimento televisivo não é o único vilão do encolhimento dos espaços de exibição de arte cinematográfica.
A retração das últimas décadas deve-se também à migração dos estabelecimentos conhecidos como cinemas de rua para dentro dos shoppings centers e o predatório fechamento de estabelecimentos culturais, sobretudo cinemas, orquestrado pela expansão das igrejas evangélicas nos últimos anos.
Sem essas mudanças seria razoável imaginar um mundo em que os multiplex e os cinemas de rua conveviriam sem se maltratar. Visto que não disputariam exatamente o mesmo público.
Com 87 salas funcionando, o Distrito Federal tem a melhor relação habitantes/salas do país com a proporção de 33.504 habitantes por ponto de exibição. Os números são otimistas mas uma análise mais aprofundada revela a concentração de complexos de sétima arte localizados, em sua maioria, no Plano Piloto, Lago Sul e Norte. Lugares onde a população é menos numerosa se comparado às outras regiões administrativas.
É bizarro notar que retrocedemos em distribuição de espaços dedicados à sétima arte. Exatamente, o avesso do que acontecia nos primeiros anos posteriores à inauguração de Brasília, quando muitas cidades ainda em formação já contavam com um cinema como ponto de encontro para a população.
Ceilândia, a cidade mais populosa do DF, não tem sua própria sala desde o fechamento do Cine Regente na década de 1980. Até alguns anos atrás, os moradores do Gama tinham acesso aos filmes do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro exibidos no Cine Itapõa (o lugar foi condenado e fechado em 2005 por falta de reformas).
Hoje em dia, apenas quatro regiões administrativas contam com espaços permanentes de exibições de películas. São elas Sobradinho, Taguatinga, Octogonal e Guará. Todas essas salas estão em shoppings, longe das ruas — onde o aluguel do espaço é mais caro e seu alto custo é sempre repassado para o consumidor final.
Se a situação no DF é desigual, o campo de análise do Entorno parece muito pior. Apenas duas cidades goianas, nossas vizinhas, oferecem sessões de cinema perto de casa para seus moradores. E de forma muito precária. Formosa tem a pior relação de habitantes/salas do Centro-Oeste, contando com uma única sala para 114 mil habitantes.
E a existência de duas salas de cinema em Valparaíso, ambas localizadas dentro do Shopping Sul, nem de longe fazem frente ao crescimento populacional do lugar com seus cerca de 200 mil moradores contabilizados em 2016.