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Brasília, de quem é o patrimônio tombado da humanidade?

Um polo cultural precisa ter de pé seus palcos e picadeiros, não podemos deixá-los ruir

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Teatro Nacional de Brasília – Brasília – DF 04/11/2015
1 de 1 Teatro Nacional de Brasília – Brasília – DF 04/11/2015 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Brasília é o maior patrimônio tombado da humanidade. Os 112,25 km² do projeto arquitetônico e urbanístico de Oscar Niemeyer e Lucio Costa são os únicos da era moderna a terem tal honraria, concedida em 1987. Jovem, prestes a completar 60 anos, este bem tão precioso, moderno e singular enfrenta problemas graves, compatíveis com a senilidade de cidades centenárias.

Este é o resultado de 59 anos de descaso e falta de compromisso. Brasília nunca teve uma política pública de manutenção e conservação. O crescimento não planejado do Distrito Federal massacrou as estruturas da capital projetada para uma população bem menor que os mais de 3 milhões atuais. Ano passado vimos o viaduto do Eixo Rodoviário – uma das pistas mais movimentadas do centro – ruir. Era a cidade pedindo socorro.

Vimos, ao longo dos anos, pedaços da história em situação de abandono completo. Ao assumir a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) em janeiro, nos deparamos com um cenário decadente: Museu do Catetinho, Museu Vivo da Memória Candanga, Casa do Cantador, Espaço Lucio Costa e Panteão da Pátria em situação de completa deterioração.

Janelas quebradas, infiltrações nas paredes, estruturas comprometidas. O que dizer dos jardins de Burle Marx. que nem sequer existem mais? Ou seja, nenhuma ação preventiva básica havia sido feita nos últimos anos.

O Teatro Nacional Cláudio Santoro (foto em destaque) é mais um exemplo da falta de uma política de conservação do patrimônio. Ali, no coração da cidade, a principal casa de artes permanece fechada há mais de cinco anos. A recomendação expedida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e pelo Corpo de Bombeiros solicitava ações pontuais para garantir a segurança do local. A decisão por encerrar as atividades foi motivada politicamente.

Um grandioso e arrojado projeto, de mais de R$ 200 milhões, foi apresentado como a solução para o complexo. Em todos esses anos, não houve um esforço para realizar a obra ou parte dela. Nenhuma parceria, investimento ou aporte de empresas públicas ou privadas que pudessem ao menos dar início a este projeto tão importante para a capital.

O que pouca gente sabe é que, mesmo fechado, uma equipe permanece diariamente mantendo o Teatro Nacional Cláudio Santoro em funcionamento. Por se tratar de um equipamento grande e complexo, é necessário ligar aparelhos de ar condicionado, luzes e realizar testes frequentes nas cortinas e refletores, o que faz com que anualmente o Governo do Distrito Federal gaste R$ 2 milhões com a casa fechada.

No improviso
Ao mesmo tempo, a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional se apresenta de maneira improvisada no Cine Brasília. Com acústica feita para o cinema, a sala exige que os músicos façam mais esforço para tocar, o que tem causado constantes lesões. A inadequação do local lá fez com que músicos caíssem do palco, além do desconforto de não haver sequer um camarim. Isso não pode continuar.

A revitalização da cidade é uma prioridade. A manutenção dos equipamentos é prioridade. A valorização do conjunto tombado é prioridade. A política pública em defesa do patrimônio veio para ficar e está respaldada pela Constituição que em seu artigo 216 reforça o papel do poder público em sua defesa.

Assumimos o compromisso de viabilizar essas ações. É uma promessa de campanha do governador Ibaneis Rocha, que entende a importância do tombamento e deseja fazer com que Brasília, a capital do país, seja fortalecida como destino turístico, trazendo desenvolvimento, emprego e renda para a cidade.

O trabalho é árduo. O governo recebeu um caixa esvaziado, dívidas em diversas esferas, salários atrasados, quadro de servidores defasado. Este cenário que se junta à incerteza na economia em todo o país não é propício para atrair investimentos. A ordem aos gestores foi para garantir a eficiência de suas pastas até a equalização dos gastos.

FAC
Mesmo assim, conseguimos garantir a vinculação dos 0,3% da receita líquida prevista para investimentos na Cultura. E pela primeira vez, o GDF repassou o superávit (de 2017), acrescentando R$ 2,6 milhões ao caixa do Fundo de Apoio à Cultura (FAC).

O orçamento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF é um dos maiores do país proporcionalmente, uma vez que além dos R$ 68 milhões FAC ainda há disponível os valores referentes à Lei de Incentivo à Cultura (LIC), investimentos diretos e emendas parlamentares, nosso caixa é de cerca de R$ 100 milhões para investimentos na área.

O desafio é gerir estrategicamente este montante de modo a atender os pilares da gestão: patrimônio, difusão cultural e economia criativa. Neste sentido, modificamos o programa Conexão Cultura, limitando a quantidade de projetos inscritos por beneficiário, de modo a ampliar o alcance da iniciativa, dando oportunidade a mais pessoas

Também aumentamos as contrapartidas. O edital do FAC lançado em 2019 visa a ocupação dos equipamentos públicos, inclusive com limitação de ações de projetos da região do Plano Piloto, a fim de valorizar as atividades das outras Regiões Administrativas.

Ainda era pouco. Mais da metade dos recursos da Secec estava comprometida com editais lançados durante o período eleitoral e sem previsão orçamentária, em desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal e com a própria Lei Orgânica da Cultura. Cabia a esta administração avaliar sua conveniência, a fim de referendá-los.

A análise minuciosa nos levou à difícil decisão de cancelar o FAC Áreas Culturais, uma vez que o FAC Audiovisual contava com recursos federais do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), da Ancine e sua renúncia implicaria na perda desses recursos, de R$ 14,8 milhões.

Valorização patrimonial
Esta medida permitiu o lançamento de uma linha permanente de valorização patrimonial. Esta ação escancara, mais uma vez, o descaso de anos com o tombamento da cidade, uma vez que o Decreto 38.933, de 2018, que regulamenta do Fundo de Apoio à Cultura determina, em seu artigo 4º,VI, que os instrumentos de fomento podem ser usados para a infraestrutura cultural, patrimônio material e imaterial cultural histórico e artístico, museus, arquivos e demais acervos.

O primeiro edital, que será lançado em junho, prevê o restauro da Sala Martins Penna do Teatro Nacional Cláudio Santoro, um dos principais palcos da cidade.

É preciso esclarecer que os recursos permanecem no FAC e que ele continua totalmente operacional. As ações culturais e o fomento continuam com foco ampliado em outras ações como restauro e conservação que também são parte da cadeia produtiva da Cultura.

É importante reforçar que o os instrumentos de fomento têm como foco a Cultura de maneira abrangente, e não apenas os produtores culturais. O FAC continua sendo de todos, com uma linha de audiovisual, uma linha de ocupação, e a linha de conservação. Agora, outras áreas deste amplo espectro de atividades também receberão atenção e terão oportunidades em uma escalada de benefícios que atingirá toda a população.

Aumentamos as possibilidades e vamos cumprir exatamente o que determinam as legislações. Nosso compromisso é com a cidade, com a Cultura, com o patrimônio e com o contribuinte, que deseja retorno dos impostos que paga. Seguiremos com o trabalho sério e comprometido e sabemos que a reabertura do Teatro trará investimentos para a cidade, além de profissionalização e visibilidade para a capital.

Obra-prima
Ao criar Brasília, Juscelino criou um enorme polo cultural. Um polo que trouxe a música autoral de Brasília, o cinema da capital, cantores, artistas, dançarinos e cineastas. Impulsionou a arquitetura e o urbanismo sobremaneira, e trouxe olhares do mundo inteiro para o centro do Brasil.

Foi a obra-prima de Niemeyer e de Athos Bulcão, mas também é a obra constante de Vladimir Carvalho e Cláudio Santoro, por exemplo.

Um polo cultural precisa ter de pé seus palcos e picadeiros, não podemos deixá-los ruir. Isso não tem nada de elitista, mas sim de responsável com aquilo que é de Brasília e para todos os brasilienses, sem exceção.

*Adão Cândido, secretário de Estado de Cultura e Economia Criativa

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