Brasil precisa de quantidade e diversidade de vacinas contra Covid-19
Quanto maior a transparência e a abertura ao diálogo por ambos, maiores as chances de aumentarmos a disponibilidade e a variedade de vacinas
Ernesto Marques Jr*
atualizado
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Mais de 600 milhões de doses de vacinas contra Covid-19, desenvolvidas por quatro laboratórios, já foram aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Sinovac-Butantan (Coronavac), Oxford/AstraZeneca-Fiocruz (Covishield), Johnson & Johnson e Pfizer/BioNTech já podem ser aplicadas no Brasil. Então, por que a urgência em aprovar mais vacinas?
O Brasil enfrenta uma grave combinação de altos níveis de transmissão com baixa disponibilidade de imunizantes. Um ambiente propício para o desenvolvimento de novas variantes, mais letais e resistentes a vacinas. Para se reduzir este risco, precisamos vacinar a população o mais rápido possível, e combinar vários tipos de imunizantes, cada um atuando de forma diferente no vírus.
Esse é um princípio similar ao adotado contra o desenvolvimento de novas cepas do HIV, com o uso de três ou mais antivirais no mesmo paciente. No caso da Covid-19, o paciente é a população brasileira, que receberá imunizantes diferentes para a atacar o Sars-cov-2.
Há quem possa questionar o fato de doses contratadas serem suficientes para imunizar mais pessoas do que a população do país. A questão é que, além de potenciais perdas durante a aplicação das vacinas, é muito provável que, antes de junho de 2022, necessitemos de nova vacinação. Novos casos, talvez mais graves, podem aparecer quando a imunidade dos vacinados decair.
Precisamos trabalhar para evitar isso desde já! E poderá ser necessário reforçar a imunização periodicamente, como ocorre com a gripe todos os anos.
Lacunas
Diante deste panorama, recentemente, a Anvisa rejeitou o registro da vacina Sputnik V, produzida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, por considerar que há lacunas nas informações prestadas pelo laboratório. A Anvisa é uma agência regulatória muito sofisticada, com mais de 20 anos de atuação. Porém, carece de estrutura para lidar com as demandas urgentes da pandemia.
Em emergências de saúde pública com novas doenças infeciosas é necessário se desenvolver e implementar vários tipos de ferramentas. Métodos diagnósticos e de prevenção, tratamentos e vacinas devem ser colocados à disposição o mais rápido possível. Para isso, normas são flexibilizadas. São decisões essenciais para o controle da pandemia e para salvar pacientes.
O processo de autorização do uso emergencial de um imunizante é dinâmico. Caso a relação entre os benefícios e os riscos seja favorável, ainda que não em níveis ideais, o fármaco é aprovado.
Na medida em que mais recursos vão surgindo, o rigor para aprovação pode aumentar, exigindo que o risco-benefício seja igual ou superior. E no caso de uma piora no quadro epidemiológico, as exigências podem ser ainda mais flexibilizadas.
Quanto maior a transparência e a abertura ao diálogo por ambos, maiores as chances de aumentarmos a disponibilidade e a variedade de vacinas no país. Quando a transparência se reduz, a comunicação falha e as partes passam a se digladiar, ao invés de colaborarem entre si, como ocorre no caso da Sputnik V. Infelizmente, o debate se politizou, relevando as questões técnico-científicas a segundo plano.
Problema de comunicação
Na minha opinião, houve um problema de comunicação, perfeitamente sanável. As demandas da Anvisa não foram muito claras. Por outro lado, as respostas do Instituto Gamaleya careceram de objetividade.
As duas instituições estão corretas nos seus pontos de vista, mas precisam trabalhar melhor para encontrar rapidamente as respostas certas e se certificarem, de uma vez por todas, que a vacina é segura. Devem focar nas questões técnico-científicas e esquecer teorias de conspirações geopolíticas ou os atritos da nossa política interna.
Pessoalmente, eu me sinto seguro com os julgamentos da Anvisa e reconheço que os resultados dos estudos clínicos da vacina Sputnik V indicam que o imunizante é eficaz e seguro. Mas há pontos que precisam ser melhor esclarecidos.
Acredito que o Instituto Gamaleya tem totais condições de sanar as dúvidas da Anvisa. Para isso, as partes precisam se comunicar de forma mais clara e objetiva. Os ânimos devem se amainar e a urgência de se reduzir os casos e, principalmente, as mortes de brasileiros pela Covid-19 deve ser o condutor desse diálogo.
*Ernesto Marques Jr é professor da Universidade de Pittsburgh e pesquisador da Fiocruz em Recife. Atualmente, mora nos EUA. Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco(1993) e doutorado em Pharmacology and Molecular Sciences pela The Johns Hopkins University School of Medicine(1999).