As feiras de Brasília nunca foram tão frequentadas
Candidatos cumprem fielmente o ritual de comer pastel e buchada de bode nos locais populares espalhados pelo Distrito Federal
Hélio Doyle
atualizado
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As inúmeras feiras de Brasília nunca foram tão badaladas como nesta campanha eleitoral. Desde que começou a busca pelos votos dos brasilienses, não houve um só fim de semana em que não se visse candidatos de todos os matizes caminhando entre as barracas, abraçando vendedores e compradores, afagando crianças, comendo pastéis e lascas de queijo, ou almoçando buchada de bode. E, vez ou outra, até fazendo alguma compra.
Tudo bem, as feiras são mesmo os lugares mais movimentados nos fins de semana, são onde os candidatos podem se encontrar com as pessoas e vender seus peixes, alguns bem indigestos. É natural que as feiras sejam por eles frequentadas, para serem vistos e conhecidos, e terem a oportunidade de conversar com os eleitores. Candidatos, obviamente, têm de ir aonde o povo está.
Não basta a eles, porém, cumprimentar e conversar com os eleitores, apresentar seus planos e programas. Para pretensamente conseguir votos, candidatos perdem o medo do ridículo e se dispõem a fazer o que alguns nunca fizeram em suas vidas, ou deixaram de fazer há muitos anos, ou não mais farão até a próxima campanha. Ir à feira, por exemplo. Ou entrar nas águas do Lago Paranoá, tomar caldo de cana na Rodoviária, usar chapéu de vaqueiro, subir numa carroça, provar petiscos que abominam.
Essas cenas bizarras, com militantes amadores e profissionais ao fundo, agitando bandeiras e gritando, rendem imagens para a televisão e fotos para jornais e blogs, e assim os candidatos procuram mostrar que são homens do povo, gente como a gente, pessoas simples e humanas. Tudo indica que as encenações – algumas muito bem executadas, outras de terrível mau gosto – dão resultado para alguns, que recebem muito votos e são eleitos. Para outros, porém, apenas mostram a inutilidade de suas performances burlescas.
Tudo isso é considerado normal e próprio de uma campanha eleitoral, sob o consistente argumento de que “sempre foi assim”, e candidato que não se submete ao ritual está fadado ao fracasso. Até porque não aparecerá cercado de povo nas coberturas jornalísticas das emissoras de televisão, distribuindo sorrisos e apertos de mãos. Imagens de um candidato simplesmente expondo seu programa a um auditório interessado ou procurando se informar realmente sobre problemas de um bairro, sem pirotecnias, não causam o mesmo impacto.
Não há, ao que se saiba, nenhuma pesquisa demonstrando a eficácia desse velhíssimo jeito de fazer campanha eleitoral, e até que ponto ele influi nos resultados. Não se sabe, cientificamente, qual é o percentual de eleitores bobos ou ingênuos que se deixam impressionar com essa falsa e encenada humanização e popularização dos candidatos. Prevalece o senso comum de que é assim que tem de ser, e assim será. Poucos se arriscam a não cumprir o protocolo.
Contato pessoal
O contato pessoal com os eleitores é importantíssimo, e quanto a isso, há pesquisas, sim. Ao candidato não basta ser visto na TV e nas redes sociais, é preciso ir a eventos públicos e estar com as pessoas. Em outros países, porém, os candidatos se preocupam mais em expor o que pensam, olhar nos olhos dos eleitores e apertar mãos, o maior número possível, do que em fazer teatrinhos para tentar impressioná-los. O que tem a ver também com o nível de educação e informação dos eleitores que, em outros lugares, não decidem em quem votar porque o candidato faz alguma gracinha ou segura uma criança no colo.
Os eleitores brasileiros, e os brasilienses em particular, já deram alguns recados no primeiro turno. Mostraram que estão saturados da política tradicional e que rejeitam a corrupção, derrotaram políticos identificados com as velhas práticas e com os roubos, elegeram ou levaram para o segundo turno os que conseguiram passar a imagem de renovação – ainda que poucos representem de fato essa renovação. E ainda que tenham reconduzido alguns bandidos e seguidores da velha política
As campanhas têm muito a ver com o sistema e com a legislação eleitoral, assim como com a evolução do eleitorado. Aos poucos, se avança. Houve um tempo em que se achava que atulhar postes e muros com cartazes ajudava a eleger alguém, que os cavaletes nas ruas eram fundamentais e que agitar bandeiras nas calçadas podia decidir a eleição.
Quem sabe, brevemente, ir às feiras e a lugares populares seja importante para os candidatos terem contato com os eleitores sem a obrigação de comer pastel, e serem o que na verdade não são, para saírem bem nas filmagens e fotografias.