Aos justos não foi franqueado o benefício da sobrevivência
Do que adianta ser direito, obedecer normas, optar pela prudência, se você cruzar o caminho com quem não partilha dos mesmos princípios?
Lilian Tahan
atualizado
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A tragédia que vitimou mãe e filho nas ruas do DF neste domingo (30/4) nos leva a uma reflexão descrente sobre o episódio. Do que adianta ser uma pessoa direita (Ricardo e Cleuza eram), obedecer normas (Ricardo e Cleuza obedeceram), optar pela prudência (Ricardo e Cleuza optaram), se você cruzar o seu caminho com quem não partilha dos mesmos princípios?
Como pode alguém tomar uma decisão que coloca em risco não só a sua própria segurança, mas a de pessoas que sequer conhece? Como é possível se proteger de gente assim? Como não desistir de ser uma pessoa cumpridora de seus deveres sabendo que todos seus sonhos podem virar de ponta-cabeça porque alguém que você nunca viu na vida decidiu transgredir? Como garantir para nossos filhos que vale a pena ser uma pessoa de bem, porque quem não for pagará por isso?É impossível afirmar, nesta altura dos acontecimentos, que há culpados entre os motoristas envolvidos no desastre da L4 Sul. Mas os indícios de que alguns dos sobreviventes beberam, dirigiram, ultrapassaram a velocidade da via e, no momento da batida, disputavam um racha começam a surgir tão fortes como as cenas das vítimas que chocaram as testemunhas da tragédia.
Ricardo e sua mãe fizeram tudo como manda o protocolo. Ele bebeu, mas não dirigiu. Os dois andavam no banco de carona, protegidos pelo cinto de segurança. Padeceram por três horas presos às ferragens, agonizaram até o resgate de seus corpos sem vida. Aos justos não foi franqueado o benefício da sobrevivência. Que eles descansem em paz e que seus parentes sejam tocados pelo conforto de confiar que a Justiça, mesmo lenta, alcançará os culpados por essa tragédia. Tudo isso se, de fato, houver e se provar a existência de responsáveis.
Dado o benefício da dúvida, descartada a fatalidade e comprovado o crime, avancemos então no raciocínio. Sem dramas.
Não precisa nem imaginar o estado mental e emocional da viúva de Ricardo. Sejamos pragmáticos agora. Mesmo para os que não foram talhados na cultura do bem e dos bons costumes, será que vale a pena viver uma vida inteira carregando o peso da morte de duas pessoas e todas suas implicações em troca da adrenalina de uma aventura de cinco minutos? Tudo pode não passar de um grande mal-entendido, de uma tragédia sem culpados. Mas, e se não for? Pense nisso. Quem assume um risco desta proporção comete, além do crime contra pessoas inocentes, um grande ato de burrice consigo próprio. É um criminoso estúpido. E terá uma vida inteira para se lembrar disso.