Amamentação saudável exige esforço coletivo e apoio no trabalho
Quanto maior for o tempo para o aleitamento materno, mais saudáveis serão nossas crianças e nossa sociedade
Juliana Sobral
atualizado
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Para alguns pode parecer um gesto corriqueiro, mas amamentar é um ato com potencial para mudar o mundo. Não, não estou exagerando: essa atitude vai além de oferecer ao bebê o leite materno, considerado um alimento “padrão ouro” por ser rico em nutrientes e anticorpos protetores. É também contar com o colinho que aproxima e fortalece o vínculo afetivo.
Mas essa ação pode esbarrar em diversos entraves, principalmente quando a mãe retorna ao trabalho. Nesse caso, o cenário ideal inclui uma rede de apoio para que a mãe seja bem orientada e retorne às atividades profissionais com tranquilidade, a viabilização do ambiente adaptado para amamentação e armazenamento adequado do leite, e, também, o respeito ao tempo necessário para que ambos os pais se dediquem ao recém-nascido.
Um dado positivo mostra que as crianças brasileiras estão mamando por mais tempo.
Encomendado pelo Ministério da Saúde, um estudo conduzido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estima que metade das crianças do Brasil são amamentadas por mais de 1 ano e 4 meses de vida.
Sabemos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde recomendam que o aleitamento seja exclusivo até os seis meses do bebê e continuado até dois anos de idade ou mais, sem indicar quando o desmame total deve ocorrer.
Em um movimento contrário, ao longo da minha prática clínica observo que cada vez mais mães têm relatado dificuldades para conciliar a vontade de amamentar seguindo essa orientação e o retorno às atividades profissionais.
Por isso, a campanha Agosto Dourado deste ano é voltada para sensibilizar a sociedade e apoiar as mães que trabalham e amamentam.
Licença-maternidade
Antes de terminar a licença-maternidade, muitas mães começam a planejar a manutenção do aleitamento, seja com arranjos do ambiente de trabalho, para ordenha e armazenagem do leite, seja fazendo arranjos domésticos, contando com uma rede de suporte que alimente o bebê com o leite estocado quando ela estiver ausente.
Mas esse apoio tende a diminuir conforme o bebê fica mais velho. Nesse contexto, aumenta o julgamento de uma parte da sociedade pela decisão de pais que amamentam uma criança “acima da idade”.
É o que relataram as 22 mães que participaram da pesquisa conduzida pela Universidade de São Paulo (USP) e publicada em artigo na Revista Brasileira de Enfermagem no início deste ano.
Há casos em que mães não podem ou não conseguem amamentar. Para elas, recomendamos buscar apoio ou ajuda especializada para avaliar alternativas.
Em geral, trocar o leite materno pela alimentação complementar ou fórmula antes dos seis meses pode levar a problemas de saúde como diarreias e alergias, além de aumentar o risco do agravamento de infecções por viroses e do desenvolvimento da obesidade.
O leite materno não só hidrata e nutre, como também é uma fonte rica em anticorpos que protegem o bebê, comprovadamente reduzindo a necessidade de hospitalizações por infecções.
Também acredito que outra importante medida deve ser tomada pelos setores público e privado: a possibilidade de mais tempo de contato entre pais e bebê, estendendo as licenças parentais remuneradas. Países como Canadá, Suécia, Noruega e Portugal têm sido pioneiros ao adotar licenças remuneradas de 180 dias para pai e mãe.
Essa iniciativa é um passo significativo em direção a uma sociedade mais sadia, onde os nenês têm a oportunidade de se desenvolver plenamente em ambientes menos estressantes e com maior conexão emocional com a família.
A mudança de concepção do que representa a amamentação se faz urgente. Essa jornada contribui também para a melhoria da capacidade cognitiva, física e social das crianças, que serão adultos mais saudáveis, sociáveis e produtivos.
Devemos atuar na criação de ambientes e redes de apoio para a amamentação, de modo a valorizar esse laço precioso que impacta de forma tão positiva na vida, presente e futura, dos pais e bebês.
- Juliana Sobral é pediatra da Maternidade Brasília