Ajuste de Doria aumentará custo da saúde em todo o Brasil
São Paulo vai exportar o aumento de impostos do governador Doria para os outros estados
Breno Monteiro
atualizado
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O governador de São Paulo, João Doria, reservou uma dose bem amarga de seu ajuste fiscal para a população que usa assistência médica privada e para as empresas que atuam neste setor. Através da Lei 17.293, entre várias mudanças na tributação, ele suspendeu a isenção do ICMS que beneficiava centenas de insumos e dispositivos médicos de largo uso em cirurgias e tratamentos de problemas cardíacos, ortopédicos, renais e odontológicos, entre outros.
Sobre eles, pesa agora uma alíquota de 18% de ICMS. Os efeitos negativos do aumento cavalar no custo desses artigos não penalizarão apenas os paulistas. Ele vai elevar o custo da saúde em todo o Brasil, porque cerca de 70% dos produtos médico-hospitalares são produzidos por fábricas instaladas em São Paulo. Ou seja, São Paulo vai exportar o aumento de impostos do governador Doria para os outros estados.
A saúde não foi o único setor econômico afetado pela lei que altera o ICMS. Ela também gerou protestos dos produtores rurais, de outros setores da indústria, das escolas e das empresas de transporte. A indústria de produtos médicos, porém, entre todas, foi a que sofreu a maior elevação na carga tributária, pois a alíquota do ICMS saltou de zero para 18%.
Alguém poderia dizer: bom, mas zero também era demais! A verdade é que não: em todo o mundo, vigora a política de desonerar produtos de saúde. No Brasil, não é diferente. Tanto assim que a isenção em vigor foi combinada entre todas as secretarias de fazenda estaduais dentro do Confaz e vigora desde 1999. Esse acordo foi rompido unilateralmente pelo governo Dória.
Dados
Alguns dados ajudam a visualizar o choque que essa mudança provocará. Primeiro, é importante notar que os 18% de ICMS, cobrados “por dentro”, se transformam em um aumento de 22% no preço final dos produtos.
Segundo, os artigos afetados pelo fim da isenção (artefatos de uso massivo como stents, válvulas, catéteres, órteses e próteses, marca-passos, rins artificiais), correspondem a cerca de 14% do custo total dos hospitais.
Além dos efeitos disso tudo sobre a inflação médica, há os efeitos econômicos sobre o mercado. Cerca de 84% da indústria brasileira de artigos e equipamentos médicos é constituída por micro-empresas com até 19 empregados; outros 10% são pequenas empresas.
Um aumento da carga tributária como este, imposto pelo governo Doria, vai colocar a sobrevivência de muitas empresas em questão, pois elas terão dificuldade em repassar os novos custos.
Quadro dramático
No setor hospitalar, o quadro também é dramático para o enorme contingente de pequenos e médios hospitais que já vinham em crise e agora, com a pandemia, estão sofrendo com a queda do movimento devida a adiamentos e cancelamentos de procedimentos não relacionados com a Covid-19.
Levantamento feito pela CNSaúde mostra que, nos últimos 10 anos, mais de 40 mil leitos privados fecharam em todo o Brasil, dos quais 4,5 mil deles em São Paulo. Esse quadro ficou ainda pior com a pandemia.
Por fim, toda essa pressão sobre custos e preços contribuirá para tornar ainda mais caros os planos de saúde em todo o país, aumentando a barreira econômica de acesso a esse serviço ou aumentando o êxodo de clientes por conta dos preços. Menos clientes nos planos, menos demanda para os hospitais privados, mais pressão da demanda sobre o sistema público, o SUS.
Em condições econômicas, sociais e sanitárias mais favoráveis, essa medida adotada pelo governador Doria seria condenável pelos seus impactos negativos generalizados numa área tão sensível. Adotá-la em meio à pandemia, com a economia paralisada, o desemprego crescente e a enorme pressão sobre o sistema de saúde que estamos vivendo, é sinal de insensatez, de desconsideração com os governados.
É medida própria de tecnocratas, não de estadistas.
Breno Monteiro é presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde)