Aborto: Ministério da Saúde defende atendimento seguro para mulheres
É importante esclarecer que, abaixo de 14 anos, segundo a nossa legislação, qualquer relação sexual é estupro e o estuprador deve ser punido
Raphael Câmara
atualizado
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A nota técnica sobre Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento, do Ministério da Saúde, é um guia baseado em evidências científicas, escrita por especialistas no tema e elaborada para apoiar profissionais e serviços de saúde em casos de abortamento. O principal objetivo e norteador desse documento é assegurar o melhor e mais adequado acolhimento e atendimento para mulheres nessa situação difícil e delicada.
Embora muito se fale sobre essa nova versão ser fruto de recuo do Ministério da Saúde frente a críticas, isso não é verdade. A audiência pública para debater a versão preliminar do documento já estava prevista desde o início, para ampliar a discussão com a sociedade, enriquecer e ajustar o texto se fosse necessário.
Na audiência, realizada no fim de junho, o Ministério da Saúde ouviu a sociedade e discutiu o tema com especialistas das mais diversas correntes.
É importante esclarecer que especialistas, representantes de entidades e da sociedade com posicionamentos diversos foram convidados – o objetivo da pasta sempre foi ouvir todos os lados em uma discussão rica, aprofundada e democrática. No entanto, três comissões parlamentares com vieses favoráveis à descriminalização do aborto optaram por não comparecer.
Após o debate, o Ministério da Saúde disponibilizou a versão definitiva do documento, incluindo as sugestões e contribuições recebidas. Antes da nova publicação, um pedido de liminar foi feito ao Supremo Tribunal Federal (STF) com objetivo de proibir a publicação da nota técnica, e que não foi deferido pelo ministro Edson Fachin como tem sido sugerido.
Nessa nova edição, o Ministério da Saúde optou por retirar do texto as questões jurídicas, por entender que essa discussão deve ficar com os juristas e para quem tem a prerrogativa de debater as mudanças na legislação brasileira, ou seja, o Congresso Nacional, que até o momento não pareceu estar interessado em alterações.
A imprensa divulgou que o Ministério da Saúde minimizou os riscos da gravidez na adolescência. A afirmação falsa nos causa muita preocupação, já que a causa da gravidez da adolescência é uma das mais caras e uma das pautas prioritárias para este ministério, que já realizou diversas campanhas e ações de conscientização.
É importante esclarecer que, abaixo de 14 anos, segundo a nossa legislação, qualquer relação sexual é estupro e o estuprador deve ser punido. Uma gravidez decorrente desse crime, no ponto de vista médico, pode ou não ser risco.
Esse fato é amplamente comprovado pelos dados oficiais e pelas várias referências bibliográficas e científicas – todas publicadas na nota técnica. A cada 100 mil meninas entre 10 e 14 anos que engravidam, a taxa de mortalidade materna é de 72 mortes. No caso das mulheres entre 35 e 39 anos, o número é de 81 mortes. Já entre 45 a 49 anos, a taxa de mortalidade é de 280.
Qualquer gravidez nessas faixas etárias é considerada de risco. No entanto, o risco obtido pela idade da mulher não é e nem deve ser o único critério para a indicação de um aborto. O professor José Ferreira de Rezende, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que em 2018 foi ao STF defender a descriminalização do aborto, foi entrevistado essa semana pelo jornal O Globo. Na entrevista, sobre a gravidez de uma menina de 11 anos no Piauí, disse que, caso haja a opção por levar a gravidez adiante, ela não sofreria grandes riscos do ponto de vista médico.
Reforço que estamos falando do ponto de vista médico, que considera inúmeros critérios da paciente, e não do ponto de vista social, criminal e da brutalidade que esse crime causou na vida dessa criança. Aqui também não estamos falando do ponto de vista jurídico, apenas dentro das recomendações e orientações médicas para esses casos, que competem ao Ministério da Saúde e objetivo da nota técnica.
Conceito penal
O conceito penal de aborto é qualquer morte do bebê durante a gravidez, mesmo que com nove meses. Já o conceito médico é de que aborto é até 22 semanas. Esse limite não é uma novidade da nova versão da nota técnica e já estava estabelecido nesse documento desde 2012, ou seja, no texto elaborado pela gestão passada.
O aborto é um procedimento médico e deve ser norteado também por preceitos éticos. O direito da mulher de interromper a gravidez dentro do estabelecido pela legislação não é afetado. No entanto, a idade gestacional deve ser levada em consideração do ponto de vista médico, sem que haja necessariamente a morte do bebê, para ele não seja privado da chance de sobreviver fora do útero. As evidências científicas não mostram nenhuma vantagem no feticídio – termo utilizado tecnicamente na literatura médica para esse tipo de situação.
Por fim, é fundamental ressaltar que o propósito da nota técnica é estabelecer um modelo adequado e seguro de atenção às mulheres em situação de abortamento, não apenas como guia de cuidados. O documento também estabelece os critérios para que a legislação seja cumprida, para que não haja a banalização do aborto.
Tendo isso colocado, ouso dizer que o atual Ministério da Saúde foi o que mais fez pela saúde das mulheres e crianças na história. E A defesa da vida da mulher e da criança, desde a concepção, sempre será nosso guia e prioridade.
- Raphael Câmara é secretário Nacional de Atenção Primária do Ministério da Saúde, médico obstetra e ginecologista, mestre em epidemiologia e doutor em ginecologia