A saúde pública não é mercadoria
“O modelo já implantado não diminuiu as filas e as dificuldades para marcação de consultas, exames e cirurgias”
Maria José Maninha
atualizado
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Em maio de 2000, a Fundação Hospitalar do DF era extinta e incorporada à estrutura da Secretaria de Saúde (SES). Essa estrutura incorporava o modelo do Sistema Único de Saúde (SUS). Tal concepção e sua prática, apesar dos recursos escassos, trouxeram à capital federal um grau de excelência na sua prestação de serviços.
A rede, composta de hospitais regionais, um hospital terciário, centros de saúde, UPAS, e as unidades básicas é suficiente para o atendimento à população, apesar de todos os problemas existentes. Porém, ao longo do tempo, os sucessivos governos degradaram a sua capacidade assistencial, como também introduziram modelos de gestão que trazem no cerne da sua formulação e execução, a gradativa transferência de recursos públicos para o setor privado através das chamadas organizações sociais (OS).
O governador Ibaneis enviou um projeto de lei à CLDF, onde cria o Instituto de Gestão Estratégica da Saúde do DF (IGESDF), abrangendo as UPAS, Hospital de Santa Maria, Hospital Materno Infantil, Hospital Regional de Taguatinga e o Instituto Hospital de Base. Cria duas espécies de entes públicos: uma Secretaria de Saúde, que fará a gestão das chamadas ações básicas, com servidores públicos cuidando da assistência primária, vacinações, campanhas, alguns hospitais; e outra, o IGESDF, que se caracteriza como uma organização social, onde os servidores serão contratados pela CLT e sem concurso publico.
Não é demais lembrar que durante a campanha eleitoral, Ibaneis disse que revogaria a lei que criou essa aberração. Dois grandes crimes serão cometidos: primeiro, a estrutura física, tais como prédios, terrenos, equipamentos, maquinas, gráficas, etc, serão repassados à iniciativa privada num toque de mágica, destruindo décadas de trabalho e recursos financeiros. Dessa forma, o governo Ibaneis vai comprar os exames realizados por essas OS, utilizando os equipamentos do setor público.
E o segundo crime é criar modelos diferentes de contratação, carga horária e salários diferenciados para os novos servidores. O que há por trás de tudo isso? A melhoria do serviço e a eficiência no atendimento? Não! O modelo já implantado não diminuiu as filas e as dificuldades para marcação de consultas, exames e cirurgias. Exemplo é o caso do paciente L.M.L, que internado com cardiopatia grave no Instituto Hospital de Base, permaneceu ali por mais de 45 dias aguardando uma transferência para o Instituto do Coração (Incor).
Outros, conforme denúncias apresentadas ao Ministério Púbico, estão à espera por semanas e até meses aguardando cirurgias na área de ortopedia. Portanto, criar essa entidade, que não seja de caráter público, não é um modelo que resolverá os graves problemas do SUS no DF. A solução é investir imediatamente nas ações básicas, como feito em 1998, retirando a população das portas dos pronto-socorros e atendendo as famílias na sua área de moradia.
Mais servidores
Temos de equipar os hospitais e UPAS e contratar mais servidores através de concursos públicos. Nos países mais avançados, como Canadá e Inglaterra, entre outros, esse modelo é eficiente e tem qualidade, trazendo satisfação para a população. O conceito de estado mínimo trazido por Ibaneis para desmontar o SUS no DF privilegia a iniciativa privada e, principalmente, as empresas de seguros de saúde.
Não podemos imaginar um sistema que criará a dicotomizção da medicina do pobre e da medicina do rico, como está previsto nesse projeto. Não dará certo. Quem tiver dinheiro, recorrerá aos seguros de saúde. Poucos estados brasileiros tiveram a desfaçatez e tamanho descaso com o SUS e com o sistema público de ensino como esse governador!
Ao invés de convocação extraordinária da Câmara Legislativa, sem nenhuma necessidade, o governador deveria ouvir as entidades representativas do funcionalismo e dar o tempo necessário para o debate sobre seus projetos. Não se entende por que tanta pressa! Deveria haver audiências públicas e debates! É preciso uma ação unificada dos movimentos.
Maria José Maninha é ex-secretaria de Saúde do Distrito Federal e ex-deputada federal.